Cerca de 25% da população está em alto risco de ter cânceres
e outras doenças de alta letalidade, mostra estudo com dados de 168 países.
Brasil figura entre as cinco nações mais afetadas pelo problema
PO Paloma Oliveto
Uma epidemia de sedentarismo coloca mais de 25% da população
mundial — 1,4 bilhão de pessoas — no grupo de alto risco das doenças que mais
matam e debilitam: enfermidades cardiovasculares, diabetes 2, demências e
alguns tipos de câncer. Em um estudo que estima o nível de atividade física global,
pesquisadores da Organização Mundial da Saúde (OMS) constataram que não houve
progressos nesse sentido entre 2001 e 2016. No Brasil, 47% da população não faz
atividade suficiente — 53,3% das mulheres e 40,4% dos homens admitem que se
mexem menos do que deveriam.
Segundo o trabalho, publicado na revista The Lancet, se o
padrão continuar, a meta de melhorar o quadro até 2025, assumida pelos países
membros da OMS, não será alcançada. O estudo traz uma compilação de dados
fornecidos pelos ministérios da Saúde ou órgãos equivalentes de 168 países
referentes a 358 pesquisas populacionais com 1,9 milhão de adultos acima de 18
anos. Neles, os próprios entrevistados reportam os níveis de atividade diárias,
seja no trabalho, em casa, seja no deslocamento ou no tempo de lazer.
Do universo pesquisado, 75% não se movimentam
suficientemente, considerando os padrões da OMS — ao menos 150 minutos de
atividade moderada/intensa ou 75 minutos de atividade vigorosa por semana. Em
relação à população mundial em 2016, ano-base do levantamento, eles representam
um quarto do globo. “Diferentemente de outros importantes riscos à saúde,
níveis insuficientes de atividade física não estão caindo no mundo e, em média,
mais de um quarto de todos os adultos não alcança os níveis recomendáveis para
ter uma boa saúde”, alerta, em nota, Regina Guthold, principal autora do estudo
e pesquisadora da OMS na Suíça.
Além de figurar nos primeiros lugares do ranking do
sedentarismo (veja quadro), o Brasil compõe o grupo dos países que registraram
aumento de 5% nessa tendência desde 2001. No ano passado, um levantamento
nacional trouxe dados ainda mais preocupantes — por questões metodológicas, o
estudo da OMS acabou revelando um percentual mais baixo de pessoas com nível de
atividade insuficiente. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
mostrou que 60% dos brasileiros com mais de 15 anos são sedentários. Ao mesmo
tempo, outro levantamento da OMS divulgado em 2017 mostrou que, por ano, 300
mil pessoas morrem no Brasil por doenças associadas à inatividade física.
Já na infância
Os dados não surpreendem Jorge Steinhilber, presidente do
Conselho Nacional de Educação Física (Confef) e da Academia Olímpica
Brasileira. “Não adianta só se focar no tamanho do problema, nós precisamos
buscar soluções. Há mais de 10 anos que insistimos nisso”, observa Steinhilber,
que também é conselheiro do Ministério do Esporte. Para ele, uma população
sedentária é reflexo do que considera descaso com a atividade física na infância
e na adolescência. “Dos 3 aos 6 anos, por exemplo, é o momento crucial para
desenvolvimento da coordenação motora. A maior parte das prefeituras, porém,
não contrata professores de educação física para essa fase, mesmo com as
pesquisas mostrando que a atividade física também é importantíssima para a
cognição”, denuncia.
Depois da primeira infância, o quadro não muda muito, afirma
Steinhilber. “A educação física é obrigatória nas escolas, mas grande parte faz
apenas recreação. Coloca os alunos para jogar bola.” O presidente do Confef
acredita que, nos últimos anos, o país perdeu oportunidades importantes para
estimular a população a se movimentar. Copa das Confederações, Olimpíadas e
Copa do Mundo poderiam ter sido o mote de campanhas e ações antissedentarismo,
observa. “Mas governo e mídia só se importavam com medalha.”
Países ricos
Assim como o Brasil, o resto da América Latina está
sedentário em níveis preocupantes, segundo a OMS. Trinta e três por cento da
população regional não se exercita adequadamente, um percentual só superado
pelo Caribe (39%). O estudo, porém, mostra que esse não é um problema de países
pobres. Os níveis de sedentarismo são mais de duas vezes maiores em nações de
renda alta, comparados ao das em desenvolvimento. Essa é a realidade, por
exemplo, de Alemanha (42,2%), Estados Unidos (36%) e Inglaterra (36%). O topo
do ranking é ocupado por Kuwait (67%), Arábia Saudita (53,1%) e Iraque (52%).
(foto: Petros Giannakouris/AFP)
Uma explicação para isso, diz o estudo, é que, em países
ricos, os empregos, os meios de recreação e de transporte estão mais focados na
tecnologia e, por isso, exigem pouco esforço físico. O mesmo vale para as
atividades domésticas, cada vez mais desempenhadas com ajuda de
eletrodomésticos autossuficientes. Já nas nações em desenvolvimento, o trabalho
pode ser fisicamente mais exigente e muitas pessoas dependem de transporte
público para se locomover, ocasionalmente se deslocando a pé por grandes
distâncias. “Com o declínio nas atividades ocupacionais e domésticas, é
inevitável que, à medida que um país prospera e o uso da tecnologia aumenta, os
governos devem fornecer e manter uma infraestrutura que promova o aumento da
caminhada e do ciclismo como meio de transporte, os esportes e a recreação”,
defende o artigo.
Pior para mulheres e
idosos
As diferenças entre
hábitos de homens e mulheres apareceram no estudo sobre sedentarismo global.
Fiona Bull, coautora do artigo e também da Organização Mundial da Saúde (OMS),
chama a atenção para o cenário. O trabalho mostrou que uma em cada três pessoas
do sexo feminino é sedentária, enquanto a proporção é de uma em quatro no caso
do sexo masculino. "Adereçar a essas desigualdades será crítico para
alcançar metas globais de atividade física e vai requerer intervenções para
promover e melhorar o acesso das mulheres (às atividades) que sejam seguras,
acessíveis e culturalmente aceitáveis", diz.
O presidente do Conselho Nacional de Educação Física
(Confef), Jorge Steinhilber, diz que, além das crianças, os idosos devem ser um
foco das políticas públicas, especialmente porque os países, incluindo o
Brasil, estão envelhecendo. "Teremos uma população chegando à terceira
idade obesa e sem mobilidade. Isso terá um impacto enorme na previdência e no
setor hospitalar", afirma. Para Jorge Steinhilber, algumas medidas
importantes já foram implementadas, como a instalação de equipamentos
comunitários, com orientação de profissionais, e das academias da saúde em
hospitais e clínicas. Porém, ele diz que essas medidas ainda são focais e
precisariam ser ampliadas para toda a população.
Em um comentário do estudo, Melody Ding, pesquisadora da
Universidade de Sydney, na Austrália, destaca o fardo que o sedentarismo
representa aos sistemas de saúde, especialmente dos países em transição
econômica. "O desenvolvimento da economia e a urbanização levaram a um
estilo de vida e a mudanças epidemiológicas caracterizadas pelo aumento da
prevalência da inatividade física e pelo subsequente fardo de doenças crônicas,
como observado na China e no Brasil. Enquanto declínios em atividades
ocupacionais e domésticas são inevitáveis, é essencial incentivar a atividade
no transporte e no tempo de lazer nas economias emergentes." // TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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