Fóssil abrigado no Museu nacional do Rio, incendiado no
domingo, alterou as teorias sobre como ocorreu a ocupação da América pelo homem
O rosto reconstituído de Luzia e o crânio de 11 mil anos:
peça-chave para compreender a ocupação das Américas(foto: Pedro Mota/Esp.EM/D.A
Press)
Entre as inúmeras
peças abrigadas no Museu Nacional do Rio de Janeiro, destruído por um incêndio
iniciado na noite de domingo (3/9), o crânio de Luzia e sua reconstituição
facial são duas das perdas mais lamentadas por pesquisadores brasileiros. Paulo
Knauss, diretor do Museu Histórico Nacional, também no Rio de Janeiro,
classificou a perda de Luzia como "inestimável para todos os interessados
em civilização".
Luzia é de inestimável valor científico por se tratar
do mais antigo fóssil humano já encontrado no Brasil e nas Américas. O crânio,
pertencente a uma mulher que viveu há mais de 11 mil anos, foi descoberto em
uma gruta da região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, em 1975, e é fundamental
para se compreender como ocorreu a ocupaçãodo continente americano.
Na verdade, a descoberta de Luzia é o principal problema
para os cientistas que defendem a tese de que o Homo sapiens chegou
ao continente cerca de 11,2 mil anos atrás, a partir do Estreito de Bering.
Essa teoria ganhou força depois de artefatos de uma cultura chamada Clóvis
serem encontrados em um sítio do Novo México (EUA), no fim da década de 1920.
Assim, por muito tempo, acreditou-se que esses norte-americanos constituíram o
primeiro povoamento das Américas. No entanto, com a descoberta de Luzia, a
teoria dos "clovistas" perdeu força, porque, na velocidade com que se
deslocava naquela época, seria impossível para o homem chegar tão rapidamente à
América do Sul, argumentam pesquisadores que se opõem a essa explicação. A
existência de Luzia, diz esse grupo, sugere que o Homo sapiens atravessou
o Estreito de Bering antes do povo Clóvis, há cerca de 14 mil ou 15 mil anos,
e, com o tempo, migrou para o sul.
Entre os cientistas que mais colaboraram para o
fortalecimento dessa segunda teoria está o biólogo, antropólogo e arqueólogo
brasileiro Walter Neves, responsável por batizar Luzia, nome escolhido em
referência ao australopiteco
etíope Lucy, fóssil de humanoide mais antigo já encontrado no mundo.
Segundo ele, Luzia e várias outras descobertas, como novos fósseis, objetos e
artes rupestres descobertos no Brasil e no Chile, representam um duro golpe na
teoria clovista.
Uma mulher de 20 anos
Estudos de datação apontaram que o fóssil abrigado no Museu
Nacional era uma mulher que estava na faixa dos 20 anos quando morreu, tinha
1,5m de altura e possuía traços negroides, com nariz largo e olhos
arredondados. A reconstituição de seu rosto foi feita em 1999, por
pesquisadores da Universidade de Manchester, na Inglaterra, que usaram como
base o crânio.
O fóssil gerou ainda a denominação Povo de Luzia, que se
refere aos primeiros homens e mulheres que habitaram a região arqueológica de
Lago Santa. Porém, sabe-se, hoje, que o grupo ao qual Luzia pertenceu foi
apenas um dos vários povos que viveram no lugar em diferentes períodos, vivendo
da caça de animais de pequeno e médio portes e da coleta dos recursos vegetais
disponíveis na região.
Tudo isso faz com que Luzia seja um tesouro não só
brasileiro, mas mundial, uma peça-chave da história humana, avalia Mercedes
Okumura, coordenadora do Laboratório de Estudos Evolutivos da Universidade de
São Paulo (USP). "É uma situação extremamente decepcionante, porque esses
materiais não pertencem apenas ao museu, mas à humanidade. Todos perdem, não só
o Rio de Janeiro", afirma. "Acredito que a Luzia tenha sido uma das
peças mais icônicas perdidas nessa tragédia. Ela faz parte da discussão dos
povoamentos das Américas, fez com que discutíssemos mais esse tema e foi uma
das maiores fontes de produção científica do país", completa. // TOMADO DE
CORREIO BRAZILIENSE
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