Anfíbios da Mata
Atlântica ameaçados de desaparecer pelo aquecimento global
Nos próximos 50 anos, 10% das espécies podem desaparecer em
função das mudanças climáticas, alertam pesquisadores brasileiros. Cinco
variedades do cerrado correm o mesmo risco
PO Paloma Oliveto
Espécies que podem ser extintas: animais ajudam no controle
de mosquitos vetores de doenças(foto: Bruno Tayar Marinho do
Nascimento/Divulgação)
Os anfíbios evoluíram há mais de 360 milhões de anos e, de
lá para cá, testemunharam profundas transformações no planeta. Viram os
dinossauros surgir e desaparecer; já estavam aqui quando os primeiros mamíferos
e as aves despontaram, presenciaram glaciações e derretimentos sucessivos.
Porém, agora, enfrentam uma ameaça que pode levar ao fim de várias espécies
dessa longeva classe animal: as mudanças climáticas.
Um estudo da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual
Paulista (Unesp) e da Faculdade Estadual de Goiás publicado na revista Ecology
and Evolution mostra que, no Brasil, 10% das espécies de anfíbios da mata
atlântica — muitas delas, endêmicas (só existem lá) — podem desaparecer nos
próximos 50 anos. No cerrado, cinco variedades também seriam extintas. Para a
pesquisa, os cientistas fizeram simulações referentes a 2050 e 2070, com dois
cenários de emissão de gás carbônico, um mais otimista e outro pessimista, além
de três modelos de circulação global atmosférica e oceânica. Todos os dados são
do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da
Organização das Nações Unidas (ONU) cujas previsões sobre clima foram usadas na
base do Acordo de Paris.
(foto: Bruno Tayar
Marinho do Nascimento/Divulgação )
Os pesquisadores
investigaram o impacto dos cenários de emissão de CO2 sobre 505 espécies, sendo
350 da mata atlântica e 155 do cerrado. Juntos, os biomas poderão perder 42
espécies de rãs, sapos e pererecas, animais essenciais para o controle de
mosquitos vetores de doenças. Dessas, cinco já integram o Livro Vermelho da
Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, publicação do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio). As demais passarão por um rápido
processo de perda de áreas climáticas favoráveis.
“Assim como todo organismo vivo, o anfíbio somente ocorrerá
em um lugar se ele tolerar as condições climáticas que ocorrem nesse lugar. As
preferências climáticas de uma dada espécie são aquelas condições que tornam os
organismos dessa espécie altamente favoráveis para ocorrência dela nos
ambientes”, explica o biólogo Tiago da Silveira Vasconcelos, pesquisador da
Unesp, câmpus Bauru, e autor correspondente do estudo. Ele explica que qualquer
mudança no clima pode ter efeitos diretos e indiretos na biodiversidade.
“Imagine nós, humanos, quando estamos em uma sauna: aguentamos aquela
temperatura alta por alguns minutos e, então, logo tomamos uma decisão de como
nos comportaremos àquela temperatura mais elevada”, compara.
Segundo Vasconcelos, os organismos das diferentes espécies
podem reagir às mudanças climáticas de três maneiras: respostas comportamentais
e/ou fisiológicas, como procurar por abrigos ou ativar algum mecanismo
metabólico para aguentar o calor; mudança da época de eventos vitais, como
época de reprodução e migração; ou alteração na distribuição geográfica,
buscando climas mais favoráveis à existência.
Pele seca
No estudo publicado na Ecology and Evolution, os
pesquisadores se debruçaram sobre essa terceira resposta potencial. As
simulações demostraram que 10,6% das espécies da mata atlântica, bioma onde 80%
de rãs, sapos e pererecas são endêmicos, não conseguirão encontrar climas
adequados e, com isso, serão extintos. “Por serem ectotérmicos, os anfíbios não
conseguem regular a própria temperatura e, como a pele deles precisa de
umidade, são os mais afetados pelas mudanças climáticas. Por isso, as mudanças
podem afetar não só a distribuição das espécies, mas a própria existência
delas”, observa Diogo B. Provete, pesquisador e professor-assistente da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, que não participou do estudo.
No cerrado, as simulações indicaram que cinco espécies desse
bioma poderão estar extintas em 2050 por não encontrar áreas com clima
semelhante à que vivem atualmente. As demais, ainda que enfrentem a redução das
áreas de clima adequada, conseguirão sobreviver devido às características
fisiológicas. “Os organismos típicos do cerrado são aqueles que toleram
temperaturas medianas a altas e também têm adaptações necessárias para tolerar
períodos do ano mais secos, devido à sazonalidade climática”, diz Tiago da
Silveira Vasconcelos. Em regiões específicas do norte e no nordeste do bioma,
em vez de perdas, poderá haver ganhos, devido à imigração de sapos, rãs e
pererecas que conseguirão encontrar, nesses locais, condições favoráveis para
sobreviver.
O biólogo Diogo B. Provete, da UFMS, observa que o estudo da
Unesp é fundamental para nortear políticas de conservação. “De todos os grupos
animais, os anfíbios são os mais ameaçados. No mundo, de 28% a 30% das espécies
podem ser extintas por fragmentação do habitat, doenças e poluição. Quando se
tem um estudo mostrando como as perdas serão pelos biomas e que algumas
espécies serão mais afetadas que outras, isso fornece um panorama, mostrando a
direção do que pode vir a acontecer.”
DUAS PERGUNTAS PARA
Tiago da Silveira Vasconcelos, pesquisador da Unesp-Bauru
Qual o papel dos
anfíbios no ecossistema e o impacto da extinção de tantas espécies?
Os anfíbios têm diversas funções no meio ambiente, servindo
como alimento para diversas espécies de animais — por exemplo, aves e serpentes
—, mas também são predadores de uma ampla variedade de insetos, inclusive de
mosquitos transmissores de doenças importantes para nossa saúde pública, como
mosquitos transmissores da febre amarela, dengue e zika. Além disso, os
anfíbios são frequentemente explorados como modelos biológicos no ramo da
farmacologia, devido ao enorme arsenal bioquímico encontrado nas glândulas de
sua pele. Assim, a extinção de espécies ou a redução de suas distribuições
geográficas pode causar desiquilíbrios ecossistêmicos de magnitudes ainda
incalculáveis, mas, provavelmente, maléficas para a qualidade de vida da
população humana.
Qual seria o cenário
climático com menos perda de espécies?
Diversos estudos mostram que, se as mudanças climáticas
pararem hoje, ainda assim, continuaremos sentindo os efeitos delas devido à
inércia dos efeitos/alterações já causados ao ambiente. No entanto, vários
estudos também mostram que, se diversas atitudes forem tomadas, as
consequências poderão ser amenizadas. Entre as atitudes pessoais, destaco
práticas de desenvolvimento sustentável, redução e/ou reutilização de recursos
naturais, que, em última instância, reduzirão a emissão de gases do efeito
estufa na atmosfera. Entre práticas a serem adotadas por órgãos governamentais,
destaco políticas públicas para redução de emissão de gases do efeito estufa
como incentivo fiscal para indústrias e/ou estabelecimentos comerciais que
utilizem energia renovável, planejamento de seleção de áreas de conservação
ambiental considerando a redistribuição provável das espécies dentro dos
cenários de mudanças climáticas.// TOMADO DE EL CORREIO BRAZILIENSE
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