Dano arterial começa
na adolescência, no caso de jovens que bebem e fumam
Pesquisa com 1,2 mil adolescentes conclui que bebidas
alcoólicas e tabagismo elevam a rigidez das artérias, condição geralmente
encontrada em adultos mais velhos e associada ao risco de
desenvolvimento
futuro de hipertensão, acidentes vasculares e infarto
PO Paloma Oliveto
Silenciosas, as doenças cardiovasculares começam a se
desenvolver muito tempo antes de se manifestarem. Um estudo publicado no
European Heart Journal demonstra que os danos arteriais, um preditor de
problemas como hipertensão, acidente vascular e infarto, têm início ainda na
adolescência, no caso de jovens que bebem e fumam. A boa notícia é que, caso
eles abandonem esses hábitos cedo, os vasos sanguíneos voltam ao normal,
reduzindo os riscos de enfermidades futuras.
Os pesquisadores da Universidade College London (UCL)
avaliaram dados de 1.266 adolescentes, que fazem parte do Crianças dos Anos 90,
um estudo longitudinal conduzido pela Universidade de Bristol, na Inglaterra,
que acompanha a saúde de 14,5 mil jovens desde a gestação. Esse trabalho tem
servido de base para diversas pesquisas, pois é considerado a investigação mais
detalhada da área em todo o mundo, ajudando a descobrir padrões sobre doenças,
além da influência de fatores externos sobre o bem-estar.
No caso do artigo divulgado agora, os cientistas utilizaram
informações de 8,7% desse universo, referentes a um período entre 2004 e 2008.
A análise demonstrou que, mesmo em baixas quantidades, quando comparado ao
consumo entre adultos, o uso de cigarro e álcool por adolescentes leva à
rigidez das artérias, com progressão para aterosclerose no futuro.
“Tradicionalmente, os médicos esperam que as pessoas fiquem
doentes e as tratam muito tarde no desenvolvimento da doença. Nós devemos
começar a pensar sobre isso bem antes nas nossas vidas”, diz o principal autor
do estudo, John Deanfield, pesquisador do Instituto de Ciência Cardiovascular
da UCL, justificando o interesse de investigar os danos nas artérias de
adolescentes. “É como o planejamento financeiro: você não começa a guardar
dinheiro para a aposentadoria aos 64 anos. Temos de convencer as pessoas de que
a saúde do coração realmente importa e que se elas tomarem medidas precocemente
e sustentá-las, terão um grande benefício a longo prazo, na redução do risco de
doença do coração.”
Cálculo
Os jovens da base de dados do Crianças dos Anos 90 forneceram
detalhes sobre fumo e uso de álcool aos 13, 15 e 17 anos. Eles calcularam a
média de cigarros que fumaram na vida e foram agrupados pela intensidade do
tabagismo: baixo (até 20 unidades), moderado (22 a 99) e alto (mais de 100). A
exposição à fumaça dos pais tabagistas também foi checada no questionário.
Com um equipamento não invasivo, que mede a velocidade em
que o batimento arterial se propaga por meio do sistema circulatório, os
cientistas verificaram, então, o estado dos vasos sanguíneos desses jovens.
Aqueles que haviam consumido acima de 100 cigarros apresentaram 3,7% mais
rigidez arterial que os do primeiro grupo. Essa condição se caracteriza por um
endurecimento dos vasos que se conectam diretamente ao coração e, quando
agravada, associa-se à hipertensão e ao infarto, entre outros.
Os participantes também informaram a idade em que começaram
a beber, além da frequência e da intensidade do consumo de álcool por mês.
Bebedores pesados, medianos e leves foram definidos, respectivamente, por mais
de 10 drinques, entre três e nove, e menos de dois em um dia. Para padronizar,
os pesquisadores consideraram que cada bebida equivale a 8g de álcool. Os
adolescentes mostraram preferência por cerveja, no lugar de destilados e
vinhos, e aqueles que tendiam a beber em binge — consumir mais de 10 doses por
ocasião, com objetivo de ficar alcoolizado — apresentaram aumento de rigidez
arterial 4,7% maior, comparado aos da categoria leve. Os principais danos foram
identificados naqueles que bebiam e fumavam muito: apresentaram rigidez 10,8%
maior, em relação aos que jamais fumaram e ingeriam pouco álcool.
Estratégias
Para Marietta Charakida, pesquisadora do King’s College
London, os dados reforçam a necessidade de governantes e formuladores de
políticas públicas implementarem medidas educacionais efetivas voltadas a esse
público-alvo. “Danos nos vasos sanguíneos ocorrem muito precocemente como
resultado de tabagismo e hábito de beber, e os dois juntos são ainda mais
maléficos. Embora estudos tenham mostrado que os adolescentes estão fumando
menos nos últimos anos, nossos resultados indicaram que aproximadamente um em
cinco fumavam aos 17 anos. Nas famílias onde os pais são tabagistas, os jovens
tendem a fumar também”, destaca. “Precisamos de estratégias iniciadas ainda na
infância para desencorajar esses hábitos em crianças e adolescentes.”
A pesquisadora observa que os jovens também deveriam ser
informados sobre os benefícios de parar de fumar e de beber excessivamente. De
acordo com Charakida, que realizou os testes para medir o estado das artérias
nos participantes, os adolescentes que reportaram ter cessado com esses hábitos
apresentaram vasos sanguíneos normais, compatíveis aos de pessoas da mesma
idade que não faziam uso de cigarro e consumiam pouco ou nenhum álcool.
Massa corporal
John Deanfield, pesquisador do Instituto de Ciência
Cardiovascular da Universidade College London, ex-campeão olímpico na
modalidade esgrima, conta que o interesse em buscar sinais de degeneração no
sistema cardiovascular de adolescentes surgiu da experiência clínica. “Eu amo
crianças e sempre tratei pequenos pacientes com falência cardíaca. Então,
passei a pensar se poderíamos prevenir problemas futuros caso identificássemos
alterações nos corações de adolescentes”, diz.
Além do estudo sobre a rigidez arterial, Deanfield
participou, recentemente, de um trabalho publicado na revista Circulation, da
Associação Americana do Coração, que, pela primeira vez, investigou se ter um
índice de massa corporal (IMC) alta — superior a 25kg/m² — impacta no sistema cardiovascular de jovens
adultos.
A constatação foi de que estar acima do peso nessa fase da
vida pode elevar a pressão e afinar o músculo cardíaco, acendendo a pólvora da
doença cardíaca. “Nossos resultados suportam os esforços para reduzir o IMC a
uma faixa normal na juventude para prevenir doença cardiovascular no futuro”,
diz Kaitlin H. Wade, pesquisadora associada da Universidade de Bristol e
principal autora do estudo.
Os pesquisadores usaram dados de 400 jovens adultos do
estudo epidemiológico Crianças dos Anos 90, que passaram por exames de imagem
detalhados do coração. Com diferentes métodos, eles concluíram que a variação
no IMC está associada a diferenças na saúde cardiovascular entre jovens. Mesmo
entre os saudáveis, ter um índice acima do recomendado resultou, em média, em
hipertensão e alargamento do ventrículo esquerdo (a principal câmara de
bombemento do coração). “A mensagem para os jovens é clara. Esperamos que
nossos resultados os levem a considerar mais os esforços para manter um IMC
saudável”, diz Wade. (PO) TOMADO DE
CORREIO BRAZILIENSE
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