Remédio usado para tratar a malária também impede que o
barbeiro transmita o Trypanosoma cruzi. Descoberta feita por cientistas
brasileiros pode ajudar na criação de melhores medicamentos e medidas
preventivas
VS Vilhena Soares
Aplicada em
barbeiros, a substância provocou o resultado esperado pelos cientistas(foto:
Iano Andrade/CB//D.A Press)
A doença de Chagas é uma das enfermidades que mais castigam
países tropicais, incluindo o Brasil. E as poucas opções de tratamento deixam o
combate a essa enfermidade ainda mais difícil. Tentando mudar esse cenário,
cientistas brasileiros decidiram intervir no ciclo de transmissão da doença
utilizando um medicamento hoje prescrito para tratar a malária. Em testes, o
remédio impediu que o barbeiro repassasse o Trypanosoma cruzi. Os resultados do
trabalho foram publicados na revista PLoS Neglected Tropical Diseases e,
segundo os autores, podem contribuir para a criação de medicamentos e medidas
preventivas mais eficazes.
O estudo é um desdobramento de pesquisas conduzidas há mais
de 20 anos pela equipe. “O mote principal surgiu durante uma especialização que
fiz. Depois, foi aprofundado por Caroline Ferreira, uma aluna que resolveu dar
continuidade ao projeto”, conta ao Correio Marcus Oliveira, um dos autores do
artigo, coordenador do estudo e professor-associado do Instituto de Bioquímica
Médica Leopoldo de Meis, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Cientistas acreditam que composto da uva possa tratar doença
de Chagas
Os trabalhos anteriores mostram que o barbeiro, um animal
hematófago — que precisa chupar sangue para sobreviver — tem um mecanismo para usar o sangue para garantir
a sua sobrevivência. “Consegui mostrar que o barbeiro consegue eliminar grande
parte do ferro, componente da hemoglobina, e o transforma em um cristal dentro
do intestino, chamado hemozoína. Essa descoberta foi apresentada em um artigo
publicado em 1999, na revista Nature”, detalha Oliveira. Segundo ele, a hemozoína é essencial para a sobrevivência do
inseto e também para a transmissão da doença de Chagas.
Na pesquisa atual, a equipe usou a quinidina, prescrita na
abordagem padrão contra a malária, para eliminar os cristais criados pelo
barbeiro. “Tínhamos feito estudos semelhantes com outras drogas usadas para
tratar a malária. Usamos a quinidina porque ela é um dos medicamentos com maior
capacidade antimalárica”, explica Oliveira. Aplicada em barbeiros, a substância
provocou o resultado esperado pelos cientistas. “Ao bloquear a produção de
hemozoína, a reprodução do inseto e a capacidade de transmitir o Trypanosoma
cruzi ficaram comprometidas. Por isso, esse processo é tao importante e os
resultados foram tão positivos.”
Para a equipe, com os resultados promissores nas análises
laboratoriais, é possível cogitar o uso da quinidina e de outras drogas
semelhantes no combate à doença de Chagas. “Queremos, agora, realizar mais
testes e analisar a eficácia de outros compostos. Quem sabe poderemos, com
isso, aumentar o arsenal de combate a essa doença? Existem poucas opções
terapêuticas, seria um outro ganho, além da possibilidade de controlar o seu
vetor”, destaca Oliveira.
Urgência clínica
Para Werciley Júnior, infectologista e chefe da Comissão de
Controle de Infecção do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da
Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o trabalho brasileiro é
interessante e bem-vindo. “Apenas uma droga, o benzonidazol, é voltada para
essa enfermidade. É urgente a necessidade de criar estratégias de tratamento e
de combate ao inseto para que os pacientes tenham opções também mais eficazes”,
diz.
O médico acredita que os estudos futuros com humanos poderão
render resultados mais consistentes. “Aplicar na população e em regiões em que
os casos de Chagas são mais altos pode ajudar bastante nos desdobramentos da
pesquisa”, explica. “Temos uma outra vantagem que é em relação ao remédio
usado. Ele já é prescrito na área médica, e isso facilita bastante uma futura
aprovação”, complementa.
Werciley Júnior destaca outro ponto positivo da pesquisa: a
autoria brasileira. “É muito bom termos pesquisadores daqui se destacando.
Sabemos que o Chagas castiga mais países tropicais, faz parte das doenças
negligenciadas. Esses avanços são importantes para os brasileiros e é ainda
mais interessante que eles sejam conduzidos por quem é daqui”, frisa.
Aumento de casos
Segundo o Ministério da Saúde, a maioria dos casos de
malária se concentra na região amazônica, nos estados do Acre, Amapá, Amazonas,
Maranhão, Pará, de Mato Grosso,
Rondônia, Roraima e do Tocantins. Dados do próprio órgão indicam que, em
2017, o número de registros da doença subiu 50%, depois de seis anos de queda.
O mesmo fenômeno se repete em outros países. Segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS), em 2016, foram contabilizados cerca de 216 milhões de casos em 91
países — um aumento de 5 milhões em relação ao ano anterior.
“Queremos, agora, realizar mais testes e analisar a eficácia
de outros compostos. Quem sabe poderemos, com isso, aumentar o arsenal de combate a essa doença?”
Marcus Oliveira, coordenador do estudo e professor-associado
do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, na Universidade Federal do
Rio de Janeiro // TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
VER TAMBIEN : http://parasitoschagas.blogspot.com/
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