Droga criada por cientistas ingleses não ataca diretamente o
vírus. Ela evita que o micro-organismo use uma proteína humana que facilita sua
dispersão pelo corpo
VS Vilhena Soares
A estratégia encontrada por cientistas também poderá evitar
o surgimento de cepas mais resistentes
(foto: Arte/CB/D.A Press)
Pela dificuldade de combater os agentes causadores da gripe
— há centenas de variantes dos vírus —, os tratamentos quase sempre se destinam
ao extermínio ou ao alívio dos sintomas da infecção, como nariz escorrendo,
febre e dor de garganta. Pesquisadores ingleses trabalham em outra linha de
ataque. Eles não têm como alvo os patógenos. Focam em moléculas presentes no
corpo humano que são usadas por esses micro-organismos para facilitar a
infecção. Detalhada na revista Nature Chemistry, a abordagem surtiu o efeito
esperado em testes laboratoriais e, segundo os cientistas, poderá ser usada na
criação de medicamentos e na prevenção de cepas de vírus mais resistentes.
Roberto Solari, pesquisador do Imperial College London e um
dos autores do estudo, conta que, no início, a busca era por uma droga para
tratar outra doença. “Um colega de instituição, o químico Ed Tate, trabalhava
em enzima, com interesse particular em fabricar uma droga para a malária.
Estudos de outros autores sugeriram que essa enzima também era importante para
o poliovírus. Como o vírus do resfriado está relacionado à poliomielite,
pensamos que seria interessante avaliar se essa molécula bloquearia o vírus do
resfriado”, detalha.
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prevenção
A molécula criada por Solari e colegas é uma combinação de
dois compostos encontrados em uma grande biblioteca laboratorial e recebeu o
nome de IMP-1088. Ela tem como alvo a proteína humana N-myristoyltransferase
(NMT). Segundo os cientistas, os vírus “sequestram” as NMTs para construir uma
casca, também chamada de capsídeo, e proteger o seu genoma da ação de células
de defesa. Nos testes laboratoriais com células humanas, a molécula surtiu o
efeito esperado e foi 100 vezes mais potente do que outros compostos testados.
Houve tentativas anteriores de criar drogas com a mesma
estratégia: agir em células humanas e não diretamente no agente infeccioso. Os
testes mostraram que as abordagens, além de causar efeitos colaterais, podem
ser tóxicas. Segundo os criadores da IMP-1088, a molécula não apresentou esses
problemas. Ela bloqueou completamente várias cepas do vírus da gripe sem afetar
as células humanas.
“Precisaríamos ter certeza de que a droga estava sendo usada
contra o vírus do resfriado, e não em condições semelhantes, mas com causas
diferentes. Dessa forma, a gente conseguiu minimizar a chance de efeitos
colaterais tóxicos”, explica Solari. A equipe planeja dar continuidade ao
trabalho, inclusive para atestar que a abordagem não é tóxica. “Esse composto
só funcionou no laboratório estudando células infectadas por vírus. Agora,
precisamos realizar estudo com animais para ver quão eficaz ele é, e também
avaliar se é seguro e bem tolerado.”
Versão inalada
Em pessoas saudáveis, o resfriado comum não é grave, mas, em
casos de asma ou de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), as consequências
podem ser preocupantes. Segundo os criadores da IMP-1088, a droga poderá evitar
esse tipo de complicação. “Se usada no início da infecção, ela poderia ser
extremamente benéfica. Estamos trabalhando para fazer uma versão que possa ser
inalada. Dessa forma, ela poderá chegar aos pulmões rapidamente e ajudar
pacientes com complicações crônicas”, explica Ed Tate, coautor e pesquisador do
Departamento de Química do Imperial College London.
Para Raquel Melo Nunes de Carvalho, pneumologista da Aliança
Instituto de Oncologia, em Brasília, um dos grandes obstáculos da terapia
criada pelos cientistas ingleses pode ser o diagnóstico precoce da gripe. “Para
que esse medicamento tenha efeito, você precisa identificá-la cedo, e isso é um
processo complicado, porque os sintomas se confundem com os de outras doenças,
como a rinite”, explica. Antes disso, porém, diz a médica, é preciso vencer os
testes clínicos. “Acredito que um próximo passo seja analisar o organismo de
animais e de humanos para saber se o mesmo se repete nesses grupos”.
Vencidas as etapas, a possibilidade de ter uma nova
abordagem contra a gripe merece comemoração e destaque, de acordo com a
pneumologista. “Essa é a infecção viral mais comum do mundo, ou seja, o impacto
de um tratamento para ela é grande”, justifica Raquel Melo Nunes de Carvalho.
Segundo o pesquisador Roberto Solari, há a possibilidade de a mesma abordagem
ser usada contra o vírus da pólio e o da febre aftosa.
“Estamos trabalhando para fazer uma versão que possa ser
inalada. Dessa forma, ela poderá chegar aos pulmões rapidamente e ajudar
pacientes com complicações crônicas”
Ed Tate, coautor do estudo e pesquisador do Imperial College
London
“Para que esse medicamento tenha efeito, você precisa
identificá-la (a gripe) cedo, e isso é um processo complicado, porque os
sintomas se confundem com os de outras doenças”
Raquel Melo Nunes de Carvalho, pneumologista da Aliança
Instituto de Oncologia // TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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