Cientistas analisam
genética do trigo para aumentar produtividade
Grupo de 200 cientistas sequencia 94% do genoma do cereal
mais consumido no mundo, mapeando 107.891 genes. O trabalho também poderá
ajudar no melhoramento nutricional VS Vilhena Soares
A linhagem de trigo estudada é usada na produção de pães e
tem o genoma cinco vezes maior que o humano(foto: Isabelle Caugant/ Divulgação)
A linhagem de trigo estudada é usada na produção de pães e
tem o genoma cinco vezes maior que o humano
(foto: Isabelle Caugant/ Divulgação)
O trigo é um dos cereais mais antigos e consumidos no mundo.
Esse grão, que fornece mais proteína aos humanos do que a carne, acaba de ter o
genoma sequenciado por um grupo de pesquisadores internacionais. Os
investigadores mapearam 16 bilhões de pares de bases — blocos de construção do
DNA —, que representam 94% do genoma do Triticum aestivum, a linhagem mais
cultivada globalmente e usada na produção de pães.
A aplicação do trabalho é variada, segundo os autores. A
partir dele, será possível alterar características de outras espécies de trigo
para aumentar o rendimento delas e torná-las mais resistentes a mudanças
ambientais. Os investigadores também conseguiram identificar genes relacionados
à alergia ao alimento e acreditam que essas informações poderão ser exploradas
em abordagens alimentares que ajudem, por exemplo, os celíacos.
O genoma do trigo é cinco vezes maior que o humano.
Sequenciá-lo, portanto, tem sido um grande desafio, já que, além da enormidade, grande parte dele é composta por
elementos repetitivos, o que dificulta distinguir cada categoria genética e
atrapalha a montagem dos genes em sua ordem correta. Essa difícil conquista foi
alcançada por mais de 200 cientistas de 73 instituições de pesquisa
pertencentes a 20 países. Eles detalharam 107.891 genes e mais de 4 milhões de
marcadores moleculares, identificados e posicionados em 21 cromossomos de três
subgêneros.
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“A publicação do genoma de referência do trigo é a
culminação do trabalho de muitos pesquisadores que se reuniram para fazer o que
era considerado impossível”, ressalta, em comunicado, Kellye Eversole,
especialista em tecnologia de alimentos, diretora executiva do Consórcio
Internacional para o Sequenciamento do Genoma do Trigo (IWGSC, pela sigla em
inglês) e uma das autoras do estudo publicado na edição desta semana da revista
Science.
Christina Sagebin Albuquerque, chefe de pesquisa e
desenvolvimento da Embrapa Trigo, no Rio Grande do Sul, também ressalta o feito. “Esse é um trabalho
extremamente difícil. É complicado decifrar o genoma do trigo porque ele tem
três subgêneros que são extremamente parecidos, além de ele ser bastante
extenso. Esse 94% de mapeamento permite o melhoramento do grão. Você pode
editar o gene e, se observar que um deles não trabalha bem, é possível
silenciá-lo, por exemplo”, diz a especialista, que não participou do estudo.
Apoio técnico
Um segundo artigo
— também publicado na revista americana e liderado por uma equipe do Instituto
de Pesquisa John Innes Center, no Reino Unido — fornece recursos técnicos para
apoiar pesquisadores e engenheiros alimentares na compreensão de como os genes
do trigo afetam as características do grão. As informações, somadas aos novos
dados genéticos, ajudarão a desenvolver variedades do alimento com maior
rendimento, mais resilientes às mudanças ambientais e com maior resistência a
doenças.
“Isso acelerará muito nossos esforços na identificação de genes
de trigo importantes para a agricultura, incluindo aqueles que ajudariam a
combater as principais doenças fúngicas. Também será imensamente benéfico para
os criadores de trigo, acelerando o desenvolvimento de variedades de alta
qualidade”, lista Kostya Kanyuka, pesquisador do Instituto de Pesquisa
Rothamsted, no Reino Unido, e um dos autores do estudo.
Demanda mundial
Estima-se que a produtividade do trigo precise aumentar 1,6%
ao ano para atender às demandas de uma população mundial projetada para 9,6
bilhões de pessoas até 2050. E, para preservar a biodiversidade, água e
nutrientes, o mundo precisa produzir mais a partir de terras cultivadas já
existentes. “A previsão é de que o mundo precisará de 60% mais trigo até 2050.
Estamos em uma posição melhor do que nunca para aumentar a produtividade, criar
plantas com maior qualidade nutricional e que se adaptem às mudanças
climáticas”, explica Cristobal Uauy, pesquisador do John Innes Center, e um dos
autores da pesquisa.
Christina Sagebin Albuquerque ilustra como produtores de
países como o Brasil poderão ser beneficiados. “Aqui, lidamos com o problema da
seca, o calor atrapalha a produção do trigo. Por meio desse mapeamento,
poderemos promover maior resistência a esse problema frequente em países tropicais”,
diz a pesquisadora da Embrapa. Para a especialista, o aprofundamento dos
estudos permitirá o desenvolvimento de grãos com finalidades ainda mais
específicas. “Acho que um desafio interessante é saber qual a linha ideal para
gerar pães, biscoitos, como fazer para que cada grão se desenvolva melhor para
determinada finalidade. Para isso, porém, ainda precisamos de uma adaptação
tecnológica”, pondera.
“A previsão é de que o mundo precisará de 60% mais trigo até
2050. Estamos em uma posição melhor do que nunca para aumentar a produtividade,
criar plantas com maior qualidade nutricional e que se adaptem às mudanças
climáticas”
Cristobal Uauy, pesquisador do John Innes Center, e um dos
autores da pesquisa
Entendendo as alergias
Para uma parte da população, um grupo de componentes do
trigo, principalmente as proteínas, está associado ao desencadeamento de
complicações para a saúde. As mais comuns são a doença celíaca (intolerância ao
glúten, proteína encontrada no trigo) e a anafilaxia induzida por exercício
dependente de trigo (WDEIA, pela sigla em inglês) — uma reação alérgica que
ocorre quando o indivíduo come trigo e se exercita depois.
O sequenciamento genético do grão permitiu a pesquisadores
examinar proteínas que contribuem para essas doenças. Detalhes desse trabalho
foram divulgados em um artigo publicado na edição desta semana da revista
Science Advances. Liderados por Angéla
Juhász, pesquisadora da Universidade de Murdoch, na Austrália, os cientistas
identificaram 828 genes relacionados a proteínas de resposta imune. Os
resultados mostram, por exemplo, que os genes relacionados aos celíacos e a
pessoas com WDEIA são expressos no endosperma amido — a fonte da farinha de
panificação.
Além disso, o estudo revelou que o estresse de temperatura
durante o florescimento do grão pode aumentar os níveis das principais
proteínas ligadas às duas enfermidades. Para os investigadores, os resultados
poderão ajudar no desenvolvimento de grãos com linhagens livres dessas
particularidades. “O trigo é um cereal primário extremamente consumido, mas
ainda temos uma pequena parte da população que não pode ser diretamente exposta
a ele devido a essas enfermidades específicas”, destacaram os autores do
estudo, liderado por Angéla Juhász, pesquisadora da Universidade de Murdoch, na
Austrália. // TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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