Pela primeira vez, pesquisadores conseguem fazer o
sequenciamento do genoma total de três indivíduos mumificados no Egito antigo.
Estudo ajuda a compreender as dinâmicas populacionais e revela uma forte
influência do DNA subsaariano no país do Nilo
Paloma Oliveto
bpk/Aegyptisches
Museum und Papyrussammlung, SMB/Sandra Steiss/Divulgação
Uma das três múmias estudadas: cientistas investigaram a
continuidade da população por 1,3 mil anos e compararam dados aos egípcios
modernos
Quando o linguista francês Jean-François Champollion
decifrou, no século 18, o sistema de escrita egípcio, uma rica narrativa
milenar se desvelou para o mundo. A história desse povo, contudo, ainda é
repleta de mistérios, que, em muitos casos, acabaram enterrados nas tumbas. E
que, agora, começam a ser decifrados pela genética. Assim como os hieróglifos,
os genes contêm informações essenciais para compreender o antigo Egito. Graças
a técnicas minimamente invasivas e mais acuradas, pesquisadores estão
conseguindo ler o DNA de múmias, e obtendo novas revelações sobre essa
civilização.
Na edição de ontem da revista Nature Communications, um
grupo internacional de pesquisadores liderados pela Universidade de Tuebingen e
pelo Instituto Max Planck, ambos na Alemanha, publicou a análise genética de
151 indivíduos datando de 1.400 a.C a 400 d.C. Entre eles, há três múmias que
tiveram o sequenciamento do genoma nuclear, técnica que permite extrair dados
mais amplos que os obtidos somente pelo estudo do DNA mitocondrial. Entre
outras revelações, os genes milenares revelaram que os antigos egípcios tinham
uma forte associação com os povos do Oriente Próximo e do Levante, região da
costa mediterrânica de Gaza à Turquia considerada o berço da agricultura. Além
disso, o estudo mostrou que a população moderna tem ancestralidade
principalmente da África subsaariana.
Para o estudo, os pesquisadores alemães, da Universidade de
Cambridge e da Academia Polonesa de Ciências investigaram a diferenciação
genética e a continuidade da população ao longo de 1,3 mil anos. Depois,
compararam os dados com os genes de egípcios modernos. Eles usaram amostras
retiradas de 151 indivíduos mumificados do sítio arqueológico de Abusir
el-Melq, ao longo do Rio Nilo, na região central do país, que compõem duas
coleções antropológicas.
Rastreamento
No total, os cientistas conseguiram extrair o genoma
mitocondrial — herdado da mãe — de 90 indivíduos. Pela primeira vez, foi
possível também obter o genoma total de três pessoas. “Estávamos interessados,
particularmente, nas mudanças e na preservação da constituição genética dos
antigos habitantes de Abusir el-Meleq”, diz Alexander Peltzer, um dos autores
do estudo e pesquisador da Universidade de Tuebingen. De acordo com ele, a
equipe tinha como objetivo determinar se as antigas populações foram afetadas,
no nível genético, pelas conquistas estrangeiras e as dominações ocorridas no
período que compreende o estudo. “Queríamos testar se a conquista de Alexandre,
o Grande, e de outros poderes estrangeiros deixaram uma marca genética nas
populações do antigo Egito”, complementa Vera Schuenemann, a líder do trabalho
em Tuebingen (leia três perguntas para).
De acordo com a pesquisadora, o Egito é um excelente local
para o estudo de povos antigos porque, além de ter uma história rica e bem
documentada, sua localização geográfica e as interações (nem sempre pacíficas)
com populações das áreas próximas, seja na África, na Ásia ou na Europa, fazem
do país uma região de dinamismo populacional. “Avanços recentes no estudo de
DNA antigo nos fornecem uma oportunidade intrigante para testar o que sabemos
sobre a história egípcia, a partir de dados genéticos”, diz Schuenemann.
Os dados revelaram que os antigos egípcios estavam bastante
associados às populações antigas do Levante e também tinham DNA dos povos
neolíticos da península anatoliana e da Europa. “Os genes da comunidade de
Abusir el-Meleq não sofreram grandes alterações durante os 1,3 mil anos que
compreendem nosso estudo, sugerindo que a população continuou relativamente
estável do ponto genético, apesar das conquistas estrangeiras”, disse, em nota,
Wolfgang Haak, que liderou os trabalhos no Instituto Max Planck para a Ciência
da História Humana em Jena.
De acordo com ele, os egípcios modernos compartilham
aproximadamente 8% mais ancestralidade no nível nuclear com as populações da
África subsaariana, do que os antigos egípcios. “Isso sugere que um aumento no
fluxo genético subsaariano para o Egito ocorreu dentro dos últimos 1,5 mil
anos”, complementou Stephan Schiffels, também pesquisador do Max Planck. Alguns
fatores que podem estar por trás dessa mistura de DNA são os melhoramentos na
mobilidade pelo rio Nilo, o aumento do comércio entre egípcios e os países
dessa região africana e o tráfico de escravos vindos do sul do Saara, iniciado
por volta de 1,3 mil anos atrás.
Os pesquisadores explicaram que o trabalho é inovador
devido, principalmente, às dificuldades metodológicas e aos riscos de
contaminação implicados nas pesquisas com múmias. Alguns cientistas, inclusive,
levantam dúvidas sobre o grau de confiança de dados extraídos de múmias. “A
preservação potencial do DNA (de múmias) tem sido tratada com ceticismo”,
afirma Johannes Krause, diretor do Instituto Max Planck para a Ciência da
História Humana em Jena e autor sênior do artigo. “O clima quente, a umidade em
muitas tumbas e algumas substâncias e técnicas empregadas na mumificação
contribuem para degradar o DNA, e se acreditava que a sobrevivência do DNA das
múmias seja improvável”, diz. Contudo, o cientista destaca que, nesse trabalho,
foram utilizadas metodologias de ponta, com “métodos robustos de autenticação”,
o que, para ele, abrirá uma nova linha de estudos sobre a história antiga. Tomado
de correio brasiliense
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