Na última reportagem da série especial sobre o bioma que cerca o Distrito Federal, especialistas destacam a importância das águas cerratenses para o abastecimento e manutenção da biodiversidade brasileira
Thalyta Guerra* y Ana Maria da Silva*
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Uma verdadeira caixa d’água no coração do Brasil. É assim
que o cerrado é visto por especialistas ligados aos recursos hídricos do país.
Considerado um berço das águas, o bioma da região central brasileira possui
grande importância estratégica para o abastecimento e manutenção de uma rica
biodiversidade. Com grandes reservas subterrâneas de água doce, o cerrado faz
conexões ao norte, com a Amazônia; ao nordeste, com a Caatinga; a sudoeste, com
o Pantanal; e a sudeste, com a Mata Atlântica, o que faz com que haja
importantes relações ecológicas entre ele e os biomas vizinhos.
De acordo com o Museu do Cerrado, iniciativa da Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília (FA/UnB), o cerrado possui 19.864
nascentes, 23,6% de todas as nascentes brasileiras, além de três grandes
aquíferos: Guarani, Bambuí e Urucuia. Mas, a riqueza hídrica requer mais
cuidados: uma vez que distribui água por todo o país, a escassez na região
afeta o Brasil. Na última reportagem da série especial sobre o cerrado,
especialistas advertem quanto às ameaças nascentes e rios da região.
Diretor-presidente da organização não-governamental (ONG)
Fundação Pró-Natureza (Funatura), Braulio Ferreira de Souza Dias explica que a
importância hídrica do cerrado vai além das chuvas abundantes que recebe no
verão. “Os solos profundos e rochas porosas do bioma mantêm importantes lençóis
freáticos, que garantem a perenidade dos rios na estação seca e aquíferos que
abastecem de água muitas cidades brasileiras e permitem a irrigação de áreas de
produção agrícola”, explica. As chuvas e os rios perenes do bioma também são
cruciais para a renovação das águas dos reservatórios das principais
hidrelétricas do país, respondendo pela maior parte da energia elétrica
consumida no Brasil.
Apesar da abundância de água no bioma, a região sofre com
períodos de redução de chuvas, tanto que a população do DF precisou conviver
com racionamento e rodízio no consumo de água nos anos de 2017 a 2019.
“Infelizmente existe muito desperdício de água no DF. Além do recente
racionamento de água, estamos observando um processo de rebaixamento do lençol
freático em muitas áreas, devido ao excesso de retirada de águas dos poços
artesianos — claramente estamos consumindo mais água do que temos”, alerta
Braulio.
Caso a tendência não seja revertida, o pesquisador ressalta
que a população deverá enfrentar, em um futuro próximo, maior escassez de água,
tanto para consumo urbano quanto para consumo na área rural. “Infelizmente, se
as taxas de desmatamento no cerrado e na Amazônia não forem reduzidas
drasticamente, assim como o consumo e desperdício de água no DF, vamos
enfrentar nas próximas décadas uma forte redução nas chuvas, secas mais longas,
mais rebaixamento nos lençóis freáticos e o retorno do racionamento e do
rodízio na disponibilidade de água”, adverte.
Como prevenção, Braulio reforça a importância dos esforços
de proteção das unidades de conservação que protegem os principais mananciais,
redução da retirada de água dos poços artesianos e restrição drástica de
autorização para a abertura de novos poços.
Crise hídrica
O uso de água nos sistemas humanos para irrigar cultivos e
abastecer cidades e indústrias é enorme, além de, normalmente, acompanhado de
altos índices de desperdício. De acordo com o biólogo e doutor em ecologia
Raphael Igor Dias, o porte e ritmo de crescimento populacional do DF, a
ocupação desordenada do território e o uso desregulado dos recursos hídricos
são aspectos essenciais para o entendimento da última crise hídrica enfrentada
pela cidade. “Esses pressionam fortemente o bioma, gerando impactos negativos
para a diversidade e para os processos ecossistêmicos”, afirma.
O cerrado, destaca Raphael, é adaptado à enorme sazonalidade
e consequente variação anual na disponibilidade de água. “É um bioma de enorme
importância para a segurança hídrica do país. No DF, especificamente, estão
localizadas nascentes que alimentam algumas das principais bacias hidrográficas
do Brasil. Essa não é uma questão apenas relacionada à água superficial, o
bioma é extremamente importante para garantir, também, o abastecimento de
grandes aquíferos”, pondera.
O risco de uma nova crise hídrica é uma realidade no país e
no mundo. Algumas ações importantes foram tomadas no DF para reduzir as chances
de novas crises. No entanto, mudanças mais profundas são necessárias e elas
envolvem questões econômicas, sociais e uma reflexão sobre o comportamento da
população, conforme explica Raphael. Atualmente, o DF é abastecido
principalmente por duas barragens: a do Descoberto e a de Santa Maria. “Esses
reservatórios são responsáveis por abastecer cerca de 90% da população. No
momento, segundo os dados da Agência Reguladora de águas, Energia e Saneamento
do DF (Adasa), a situação desses reservatórios está tranquila”, afirma. De acordo
com o Sistema de Monitoramento do Nível de Reservatórios, a Barragem do
Descoberto está com o volume útil de 87,3%; e a de Santa Maria, em 95,5%.
“Deve haver um comprometimento com a legislação ambiental. O
poder público precisa fiscalizar e autuar possíveis irregularidades em relação
ao uso dos recursos hídricos, à supressão de vegetação nativa e a ocupação do
solo”, adverte. “Os setores que são os principais responsáveis pelo elevado uso
dos recursos hídricos, como as atividades agrícola e industrial, devem buscar
soluções para reduzir e otimizar a utilização da água. Por outro lado, a
população também deve contribuir, adotando um comportamento mais sustentável”,
completa Raphael.
Melhorias
Apesar dos mais de 100 dias sem chuvas, atualmente, a
situação dos recursos de água é confortável. Segundo o diretor da Adasa, Jorge
Werneck, o estado de alerta na capital trouxe conscientização aos consumidores.
Além disso, gerou uma série de melhorias na gestão dos recursos hídricos do DF
e nas infraestruturas dos principais reservatórios que abastecem a população.
Hoje, o consumo per capita no DF é de aproximadamente 140
litros por habitante/dia, mas o recomendado pela Organização Mundial da Saúde é
de que o consumo diário seja de 110 litros por habitante/dia. “O DF tem, hoje,
uma resiliente segurança hídrica, bem maior do que antes da crise hídrica.
Atualmente, alcançamos a melhor marca da história para este período, mesmo com
mais de 100 dias sem chuvas”, afirma o diretor.
A capital faz ligação com três importantes regiões
hidrográficas brasileiras que são: Tocantins/Araguaia, São Francisco e Paraná.
O diretor explica que o DF está em uma região alta e central e que funciona
como um guarda-chuva para essas regiões. “Pelo fato de ser uma região de
nascentes, os rios são pequenos”, explica.
Mas, o crescimento desordenado da população nas áreas
urbanas traz uma certa pressão em relação à quantidade de água disponível para
a população. “O ordenamento territorial deve respeitar o ordenamento
ecológico-econômico. O Rio Melchior, principal afluente do Rio Descoberto, é um
dos rios comprometidos pelo crescimento, sem um planejamento adequado da
população, o que compromete a qualidade da água”, explica.
Jorge Werneck também alerta para o uso correto do solo do
cerrado. “É necessário manter o equilíbrio da vegetação natural e preservar a
biodiversidade. A Adasa disponibiliza um sistema de informações sobre recursos
hídricos para os grandes usuários”, conclui.
* Estagiárias sob a supervisão de José Carlos Vieira
Águas Emendadas
Localizada no extremo nordeste do DF, a uma distância de
50km do centro de Brasília, a Estação Ecológica Águas Emendadas (Esecae) é
considerada uma das mais importantes reservas naturais do DF. A origem do seu
nome é um singular e importante fenômeno natural em que, de uma mesma vereda,
vertem águas para duas grandes bacias hidrográficas, o Rio Maranhão, que
deságua no Rio Tocantins; e São Bartolomeu, que flui para a Bacia do Rio
Paraná.
Além de ser fonte de captação de água para abastecimento
público da região, operada e mantida pela Companhia de Saneamento Ambiental do
DF (Caesb), Águas Emendadas é considerada importante, até mesmo por organismos
internacionais. Tanto que, em 1992, a Estação Ecológica passou a integrar a
área-núcleo da Reserva da Biosfera do Cerrado, criada pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Em 2018, a Esecae tornou-se o sexto lugar do mundo e o
primeiro da América Latina a receber o Escudo de Água e Patrimônio do Conselho
Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos-Holanda). Responsável pela Esecae,
o servidor do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) Gesisleu Darc Jacinto afirma
que a conquista é motivo de orgulho para os brasilienses. “O fenômeno de águas
emendadas é único no mundo”, destaca.
Para Gesisleu, o papel do santuário é imensurável: “O
trabalho de conservação desse importante santuário ecológico é preservar o que
a natureza tem a nos oferecer, como a água em abundância, fauna bem diversa e a
flora do cerrado. Tudo isso é fonte de pesquisa e informação para conhecermos
um bioma tão importante para o Brasil como o cerrado”, completa.
Dicas de economia
» Vazamentos: são uma das principais fontes de desperdício
de água na residência. Eles podem ser evidentes, como uma torneira pingando, ou
escondidos, no caso de canos furados ou de vaso sanitário. No caso de
vazamentos em vasos sanitários, verifique se há água escorrendo. Para isso,
jogue cinzas, talco ou outro pó fino no fundo da privada e observe por alguns
minutos. Se houver movimentação do pó ou se ela sumir, há vazamento. Outra
forma de detectar um vazamento é por meio do hidrômetro — ou relógio de água —
da casa. Em caso de alteração alta nos números do medidor, há vazamento. Caso
seja viável, instale redutores de vazão em torneiras e chuveiro.
» Banho: ao ensaboar-se, feche as torneiras. Evite banhos
demorados.
» Vaso sanitário: quando construir ou reformar, dê
preferência às caixas de descarga no lugar das válvulas; ou utilize aquelas de
volume reduzido. Não deixe a descarga do banheiro disparar — no caso de
acionados por válvulas.
» Torneiras: instale torneiras com aerador — “peneirinhas”
ou “telinhas” na saída da água. Ele dá a sensação de maior vazão, mas, na
verdade, faz exatamente o contrário.
» Louça e verduras: lave em uma bacia com água e sabão e
abra a torneira só para enxaguar. Use uma bacia ou a própria cuba da pia para
deixar os pratos e talheres de molho por alguns minutos antes da lavagem, pois
isto ajuda a soltar a sujeira.
» Roupa: lave de uma vez toda a roupa acumulada. Deixar as
roupas de molho por algum tempo antes de lavar também ajuda. Ao esfregar a
roupa com sabão, use um balde com água, que pode ser a mesma usada para manter
a roupa de molho. Enquanto isso, mantenha a torneira do tanque fechada. Enxágue
também utilizando o balde e não água corrente. Se você tiver máquina de lavar,
use-a sempre com a carga máxima e tome cuidado com o excesso de sabão para
evitar um número maior de enxágues. Caso opte por comprar uma lavadora, prefira
as de abertura frontal que gastam menos água do que as de abertura superior.
» Jardins e plantas: regue o jardim durante o verão pela
manhã ou à noite, o que reduz a perda por evaporação; durante o inverno, regue
o jardim em dias alternados e prefira o período da manhã; use uma mangueira com
esguicho tipo revólver; molhe a base das plantas, não as folhas; utilize
cobertura morta — folhas, palha — sobre a terra de canteiros e jardins. Isso
diminui a perda de água.
» Água da chuva: aproveite sempre que possível a água de
chuva. Você pode armazená-la em recipientes colocados na saída das calhas ou na
beirada do telhado e depois usá-la para regar as plantas. Só não se esqueça de
deixá-los tampados depois para que não se tornem focos de mosquito da dengue!
Você sabia?
» Uma torneira mal fechada pode desperdiçar 46 litros de
água
em um dia.
» Reduzindo um minuto do seu banho você pode economizar de
três a seis litros de água.
» Regar jardins e plantas durante dez minutos significa um
gasto de 186 litros. Você pode economizar 96 litros tomando os devidos
cuidados.
Tomado de correio brasiliense
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