Na corrida contra o tempo para frear o Sars-CoV-2, pesquisadores brasileiros acumulam avanços em metodologias capazes de diagnosticar, prevenir e tratar a covid-19
Vilhena Soares
(foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)
Diante da pandemia da covid-19, pesquisadores dedicam-se a
entender melhor a nova doença e a desenvolver ferramentas para proteger a
população. Nessa empreitada, têm sido criadas formas para o desenvolvimento de
testes de diagnóstico, vacinas e medicamentos. Esses avanços poderão ajudar no
enfrentamento de enfermidades já conhecidas, principalmente as doenças
tropicais emergentes. Especialistas acreditam que os frutos obtidos são
resultado de uma troca intensa de informações entre os cientistas e enfatizam que
os ganhos poderão ser ainda maiores se o incentivo financeiro para as pesquisas
aumentar.
A vacinação é um dos recursos mais poderosos no combate a
uma enfermidade com características como as da covid-19, com alta taxa de
transmissão. Porém, o desenvolvimento de uma fórmula imunizante pode demorar
décadas. Para reduzir esse tempo, cientistas têm usado uma série de novas
estratégias. Gustavo Cabral, pesquisador do Departamento de Imunologia do
Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), é um
dos que trabalham com uma dessas novas tecnologias. O brasileiro desenvolve partículas
semelhantes aos vírus, as VLPs. Essas partículas têm proteínas semelhantes ao
Sars-CoV-2 e, ao serem aplicadas em algum organismo, causam a produção de
anticorpos.
Gustavo Cabral explica que a mesma estratégia pode ser usada
para outras enfermidades. “Antes de trabalhar com a vacina para a covid-19,
desenvolvi fórmulas para zika e chikungunha com essa mesma tecnologia”,
justifica. “Nós usamos a mesma base, mudamos apenas detalhes da estratégia
imunológica. Fazemos uma readaptação. Isso é muito bom porque, à medida que
vamos fazendo as vacinas, temos um material mais amplo. Isso faz com que mais
pesquisadores queiram trabalhar conosco. Pessoas que pesquisam o câncer já
vieram me procurar e propor uma possível parceria”, relata. No momento, o cientista
realiza testes pré-clínicos (em animais) da vacina para a covid-19.
Avançadas, as tecnologias com base no RNA também têm sido
exploradas para criar vacinas contra o coronavírus. Renato Mancini Astray, do
Centro de Desenvolvimento e Inovação do Instituto Butantan, em São Paulo,
acredita que essas novas metodologias podem revolucionar a forma como as
próximas imunizações serão criadas. “A utilização desses sistemas, como as
vacinas com base genética, tem duas características muito valiosas. Primeiro, a
facilidade de trocar o alvo. A técnica permite que o vírus da covid-19 seja
substituído pelo da zika, da chikungunha, da malária. Outra vantagem é que o
tempo é reduzido. Sem a necessidade de usar o patógeno como base, muitas etapas
não precisam ser feitas, como a purificação do vírus usado”, detalha.
Inteligência artificial
Outra vertente que tem sido impulsionada na atual crise
sanitária é a de exames diagnósticos. Com a necessidade de identificar o mais
cedo possível a covid-19, pesquisadores desenvolvem exames capazes de fornecer
resultados em pouco tempo. Nesse sentido, cientistas da Universidade de
Campinas (Unicamp), em São Paulo, criaram um método de análise que utiliza um
programa de inteligência artificial. Com a tecnologia, eles conseguem identificar
biomarcadores presentes no sangue de pacientes e, dessa forma, podem detectar a
doença. “Além de mostrar se a pessoa está com a covid-19, conseguimos apontar
se ela vai ter complicações. E isso em um tempo muito curto, em questão de
poucos minutos”, conta Rodrigo Ramos Catharino, professor da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da Unicamp e um dos responsáveis pelo projeto.
A tecnologia, ainda em fase de testes, também poderá ser
usada para a identificação de zika, dengue hemorrágica e diabetes. “Usamos a mesma
plataforma na identificação da doença fúngica paracoccidioidomicose, que
ocorre, principalmente, na América Latina e é considerada uma doença
negligenciada”, diz Catharino. “Sem sombra de dúvidas, o nosso projeto e o de
outros pesquisadores que trabalham com isso vão contribuir para a identificação
precoce de outras enfermidades, principalmente as mais frequentes no Brasil,
como a zika e a dengue.”
Apoio é essencial
Apesar das vantagens dos novos métodos, os especialistas
ressaltam que os avanços dependem de apoio financeiro. “A demora no
desenvolvimento de uma vacina para dengue justifica-se porque é difícil ter uma
fórmula que funcione para os quatro tipos da doença e também porque falta
investimento. É o que acontece, também, com outras doenças negligenciadas. Elas
estão presentes em países pobres. Por isso, o interesse em fazer vacinas para
essas enfermidades é limitado”, ilustra Renato Mancini.
Gustavo Cabral também acredita que o aporte financeiro é
essencial para que as novas tecnologias sejam usadas no desenvolvimento de
novas vacinas após a pandemia. “Quando vivemos o surto de zika, as pessoas
começaram a se preocupar mais com a situação apenas quando viram que ela
causava a microcefalia. Acredito que temos as tecnologias necessárias, mas o interesse
surge somente quando há situações críticas, como agora. É importante manter o
suporte mesmo fora desse cenário. Acho que isso só vai ser possível quando
tivermos uma união entre a ciência e a sociedade”, opina.
Comum no Brasil
Também chamadas de doenças negligenciadas, essas
enfermidades ocorrem, principalmente, em países em desenvolvimento e de clima
considerado mais quente, como o Brasil. São caracterizadas ainda pela ausência
de tratamentos médicos, devido ao menor interesse no desenvolvimento de terapias.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem 20 doenças tropicais no
planeta, sendo que o Brasil é o único país que engloba todas elas em seu
território.
Progressos e recuos
“Um dos pontos que merecem destaque é que observamos,
também, um esforço de tornar a ciência mais aberta. A troca mais intensa de
informações é algo muito positivo. E isso nem sempre ocorre, já que se trata de
um ambiente em que existe competição. Estamos como uma rede de cientistas que
seguem monitorando intensamente esse vírus. Tivemos, por exemplo, o mapeamento
genético do patógeno no primeiro paciente do país feito em apenas 48 horas.
Isso é algo que pode ser levado como base para o acompanhamento de outras
enfermidades, como a zika. Seria muito positivo ter, também, um diagnóstico
mais rápido de outros problemas de saúde, como a tuberculose, em que essa
identificação precoce é essencial. Mas, é claro que precisamos de investimento
para que isso ocorra. Temos que reforçar, também, que a pandemia dificultou o
trato de algumas doenças. A hanseníase sofre uma crise, a maioria dos estados
brasileiros está sem medicamentos. Isso ocorre porque os esforços estão
voltados totalmente para a covid-19. Uma das empresas que produzem um dos
principais medicamentos para leishmaniose, por exemplo, está com dificuldades
para produzir esse remédio porque é ela que produz o remdesivir, usado para
covid-19.”
Felipe Carvalho, representante da Campanha de Acesso a
Medicamento da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF)
Segurança para pular etapas
Produzir um medicamento da estaca zero é uma tarefa difícil
e demorada. Com a velocidade que a covid-19 se espalhou pelo mundo,
pesquisadores resolveram encurtar esse caminho. Uma técnica chamada
reposicionamento de fármacos tem sido uma das ferramentas usadas para reduzir
essa espera. Nessa estratégia, medicamentos criados para o tratamento de uma
determinada doença são testados no combate a outras enfermidades. Anterior à
pandemia, a estratégia foi impulsionada nos últimos meses.
“Primeiro, nós testamos esses remédios em laboratório. Eles
são expostos ao vírus e, caso a resposta seja boa, passamos para a fase de
análise em animais e, depois, em humanos. Esse é um processo bem mais curto,
geralmente demoramos 10 anos para desenvolver uma droga pelas vias
tradicionais”, explica Lucio Freitas, pesquisador da Universidade de São Paulo
(USP) que trabalha com a técnica há 15 anos.
O cientista explica que seu grupo de pesquisa conseguiu
encontrar quatro moléculas com potencial para tratar o Sars-CoV-2, o vírus da
covid-19. “Tivemos resultados muito animadores, mas não gostamos de divulgar
muito porque algumas pessoas correm para as farmácias para estocar os remédios,
queremos evitar isso. Entre as drogas promissoras há um fitoterápico que,
geralmente, é um remédio muito seguro”, conta.
Lucio Freitas enfatiza que o reposicionamento de fármacos é
uma técnica promissora e, possivelmente, com os novos avanços, proporcionará
tratamentos para outras doenças. “Com certeza, teremos mais opções
terapêuticas. O meu grupo de pesquisa dedica-se a 22 enfermidades, e temos
dados também relacionados à chikungunha. O importante é conseguir organizar
essas pesquisas e mantê-las, para não ter que esperar que uma situação grave
como a atual aconteça e, só depois, colocar o trabalho em prática. É preciso se
adiantar”, defende.
Ambiente virtual
Outra ferramenta que tem sido mais explorada é a
telemedicina. O atendimento médico realizado em ambiente virtual era bastante
discutido antes da crise sanitária. Em abril, o governo autorizou a prestação
do serviço para ajudar no cumprimento das medidas de isolamento. “A
telemedicina é um recurso tecnológico imensurável neste momento, principalmente
em países como o Brasil, que tem regiões distantes de centros e com pouco
acesso a profissionais da saúde. Ela já era muito usada na área de pesquisa
clínica por universidades, por exemplo, mas, agora, vai se expandir”, acredita
Margareth Dalcolmo, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Segundo a pneumologista, a prática poderá ajudar também no
acompanhamento de outras enfermidades. “É claro que nada substitui o contato
humano e um exame físico bem-feito, mas, considerando as dificuldades do mundo
moderno, é importante usar as vantagens proporcionadas por essa plataforma. Por
exemplo, podemos receber uma radiografia de um local distante e analisá-la em
pouco tempo”, ilustra. (VS)
Tomado de correio brasiliense
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