Proteção do grupo mais vulnerável à infecção pelo Sars-CoV-2 pode ser dificultada pelo enfraquecimento natural do sistema de defesa, pela baixa presença de voluntários com mais de 60 anos nas pesquisas e pelo aumento de movimentos contrários à imunização maciça
Paloma Oliveto ///(crédito: Douglas Magno/AFP)
Desde o início da pandemia da covid-19, ficou claro que a maior mortalidade situa-se no grupo de pessoas acima de 65 anos. Além do risco aumentado de óbito, os idosos são mais suscetíveis à infecção e apresentam sintomas mais graves. Em parte, isso pode ser explicado pelas comorbidades com incidência alta entre a faixa etária, como diabetes, hipertensão e doenças coronarianas.
Porém, o envelhecimento do sistema imunológico contribui
significativamente para elevar taxa de infecção e de mortes. Com o
enfraquecimento das defesas naturais, o organismo também responde de forma
menos eficaz às vacinas. Especialistas afirmam que a redução na formação de
anticorpos induzidos não é um problema, pois, do ponto de vista da saúde
pública, ainda que a eficácia do imunizante seja de 40% a 50% nos idosos — como
é no caso da influenza —, um grande número de pessoas vacinadas impedirá a circulação
viral. Contudo, cientistas mostram-se preocupados com a carência de estudos que
atestem a resposta imunológica do principal grupo de risco gerada pelas
substâncias em teste.
O objetivo da almejada vacina é induzir a formação de
anticorpos suficientes para neutralizar o coronavírus e, assim, evitar a
replicação do invasor, assim como produzir uma quantidade satisfatória de
células T de memória nos pulmões, o órgão mais afetado nos casos graves da
covid-19. Para tanto, é preciso uma boa coordenação entre as células T e B,
além do funcionamento correto dos linfonodos, a fábrica de anticorpos do
organismo. Nos idosos, todo esse maquinário é menos eficiente. “O que acontece
é a imunosenescência, uma diminuição normal e esperada da imunidade. Por isso,
os idosos são mais suscetíveis a infecções e têm menor resposta a algumas
vacinas”, diz Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações
(Sbim). A da gripe, por exemplo, tem eficácia de 70% a 90% entre os mais
jovens. Nos mais velhos, cai para 40% a 50%.
“Quando a vacinação é incapaz de conferir a proteção de
anticorpos qualitativa ou quantitativamente, a infecção ocorrerá e poderá
desencadear sequelas”, alerta Nan Ping-Weng, pesquisador da Universidade de
Baltimore e autor de um artigo publicado na revista Immunity & Aging no
qual demonstra preocupação com a escassez de estudos sobre vacinas para a
covid-19 em idosos.
Segundo Ping-Weng, são poucos os estudos sobre a resposta do
sistema imunológico envelhecido às vacinas em geral. Isso começa com a própria
escolha dos animais nos testes pré-clínicos, argumenta. De fato, a maioria das
pesquisas utiliza cobaias com idades que correspondem a faixas etárias mais
jovens. Nos trabalhos publicados até agora sobre os imunizantes para combater a
atual pandemia, os camundongos tinham, em média, 12 semanas — ou 20 anos em
termos humanos. Os macacos rheusus têm de 3 a 6 anos, o equivalente a
adolescentes.
Resultados distintos
Os testes de fase dois e três, em humanos, foram realizados, até agora, com um
número pequeno de idosos. Há três semanas, a Moderna, companhia de
biotecnologia californiana que desenvolve uma vacina patrocinada pelos
Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, divulgou os resultados de uma pesquisa
que envolveu 10 adultos de 56 a 70 anos e 10 acima de 71 anos. Para comparação,
esse mesmo estudo feito com pessoas de 18 a 55 incluiu 45 pessoas. Os
resultados do trabalho preliminar com os 20 idosos foi considerado promissor
pela empresa. Em comunicado, a Moderna afirmou que os níveis de anticorpos e
células T foram similares àqueles gerados nos mais jovens.
A chinesa Sinovac, que está sendo testada no Brasil, não
divulgou os resultados preliminares nos grupos de idosos. Porém, na última
segunda-feira, um representante da empresa afirmou que os dados indicaram que
ela foi segura e gerou “mais de 90% de resposta de anticorpos”, um índice que
foi “ligeiramente menor” do que o verificado em jovens adultos. Não se sabe
ainda a quantidade de voluntários envolvidos nem o percentual exato de resposta
imunológica.
A substância desenvolvida pela CanSino, também da China, não
teve bons resultados em idosos, segundo um estudo publicado na The Lancet.
“Comparado à população mais jovem, descobrimos que os mais velhos tiveram uma
resposta imune significativamente menor”, escreveram os autores. Segundo eles,
novos testes verificarão a resposta e a segurança com uma dosagem maior da
vacina em voluntários com mais de 55 anos.
Também testada no Brasil, a vacina da AstraZeneca,
desenvolvida pela Universidade de Oxford, ainda não divulgou resultados
preliminares sobre a eficácia em idosos. A vacina russa, a Sputinik V, incluiu
idosos nos testes e, segundo a imprensa local, foi bem tolerada por eles.
Porém, não houve publicação de dados sobre o número de pessoas com mais de 55
anos incluídas nem sobre o percentual de efetividade. Alexander Gintsburg,
chefe do Instituto Gamaleya, que desenvolve a vacina, disse à agência de
notícias russa RIA Novosti que “uma dúzia” dos empregados da companhia com 70 a
80 anos foi imunizada e “não reportou complicações”.
Em Harvard, nos EUA, pesquisadores buscam uma vacina
específica para idosos. “Quem mais sofre de coronavírus? São os idosos. Nós
pegamos glóbulos brancos idosos, de doações de sangue, os testamos fora do
corpo, os estimulamos com diferentes pequenas moléculas chamadas adjuvantes
(que são adicionadas a uma vacina para aumentar a resposta imunológica do
receptor) e, então, descobrimos qual funcionaria melhor em um idoso”, conta
Ofer Levy, diretor do Programa de Vacinas de Precisão. Contudo, os estudos
estão em fase inicial, e não há previsão do desenvolvimento da substância.
Proteção coletiva fará a diferença
O diretor-científico da Sociedade de Imunologia do Distrito
Federal, José David Urbaez, afirma que, se as vacinas anticovid tiverem, em
idosos, um índice de eficácia semelhante ao obtido pela da influenza, de 50%,
uma campanha maciça de imunização trará danos significativos. Não apenas para o
controle do vírus, mas com forte impacto sobre doenças associadas a processos
infecciosos, como as coronarianas. A única preocupação do médico é que o
movimento antivacina, que já ensaia, no Brasil, manifestações contra uma
substância tão esperada em todo o mundo, consiga crescer, convencendo os mais
velhos a não serem imunizados. “É a única coisa que atrapalharia o controle da
pandemia”, diz.
A redução da imunidade pode atrapalhar no controle da
pandemia?
Não, porque você está contando que, no momento em que se insere a vacina como
elemento de provocar a proteção coletiva — aqui não se pensa em indivíduo, mas
coletivamente —, você vai colocar um contingente de pessoas nessa idade com
proteção, significando que, em 50% delas, o vírus não vai conseguir entrar.
Imagine o que representa a diminuição em termos de suscetibilidade em torno de
50% da população idosa. Nós vamos ter uma impossibilidade de circulação do
vírus grande, é uma grande barreira, porque metade da população dessa faixa
etária não permitirá que o vírus se instale. Então, quando a gente pensa em
vacina, não pensa estritamente em um sentido individual. Individualmente, se
tem uma chance menor de proteção. Mas do ponto de vista de manejo de uma
pandemia, ou seja, de ferramentas de saúde pública, coletiva, vemos toda a
sociedade e a comunidade como um elemento vivo, não se vê o indivíduo. Sem
dúvida alguma, vai ser e continuará sendo a medida mais importante de todo o
controle da pandemia, porque você vai diminuir muito significativamente a
circulação do vírus. É sempre importante destacar que o patamar para aprovação
de uma vacina como eficaz sempre é 50% ou mais. E, dessa maneira, você realmente
tem um impacto muito grande na circulação viral.
A influenza é um exemplo disso?
Na influenza, isso é muito claro. Você teve com as campanhas massivas de
vacinação dessa população uma diminuição intensa no número de mortes por
influenza, diminuição intensa no número de internações por pneumonia e de
hospitalizações de maneira geral.
Podemos falar em outros benefícios?
Quando se controla uma doença infecciosa, como a influenza e o coronavírus,
indiretamente começa a ter efeitos em outros âmbitos. Então, tem a diminuição
de doença cardiovascular, de doença cerebrovascular. Isso tem uma relação
direta porque todos esses processos infecciosos vão desencadear processos
inflamatórios que vão levar à descompensação dessas outras doenças crônicas.
Quando a vacina estiver disponível, quais serão os
desafios para o controle pandêmico?
A única coisa que atrapalharia mesmo seria se as pessoas não fossem se vacinar.
Temos de trabalhar o tempo inteiro com muito afinco na comunicação sobre a
confiança nas vacinas e não permitir que esse discurso horroroso antivacina,
para o qual novamente o presidente da República abriu a porta (Jair Bolsonaro
defendeu que a vacina não seja obrigatória), se torne um problema no Brasil,
como já é nos Estados Unidos e na Europa. (PO)
Tomado de correio brasiliense
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