Europa registrou
aumento preocupante no número de enchentes em 50 anos
As mudanças climáticas e o excesso de desmatamento e
urbanização estão entre os fatores que influenciam o fenômeno
por Vilhena Soares
As inundações vêm ameaçando o Velho Continente, com impactos
nas mais diversas áreas: da infraestrutura das cidades à perda de vidas.
Preocupados com esse fenômeno, pesquisadores internacionais analisaram, durante
cinco décadas, como fatores climáticos e atividades econômicas, a agricultura,
por exemplo, o influenciam. O resultado do trabalho foi divulgado na edição
desta semana da revista americana Science.
Para o estudo, os
pesquisadores utilizaram dados de mais de 4.200 estações hidrométricas (seções
de rios) de 38 países europeus, coletados entre 1960 e 2010. Além disso,
compararam informações sobre precipitação (queda da água do céu), umidade e
temperatura do solo. “Estudos anteriores ficaram confusos ao não abordarem
esses dados. As inundações não são apenas impulsionadas pelas chuvas, mas
também pela umidade do solo e pelo derretimento da neve. Então, precisávamos
considerar todos esses fatores”, explica ao Correio Günter Blöschl, líder do
estudo e pesquisador da Universidade Técnica de Viena, na Áustria.
A avaliação revelou o quanto as estações do ano e as
características regionais influenciam na ocorrência de enchentes. “Por exemplo,
em grande parte do noroeste da Europa e do Mediterrâneo, as inundações ocorrem
mais frequentemente no inverno, quando a evaporação é baixa e a precipitação,
intensa. Na Áustria, por outro lado, elas estão associadas às chuvas de verão.
Na região nordeste, o risco de inundações é mais alto na primavera por causa da
queda de neve”, detalha o autor do estudo.
O calendário da cheia dos rios também tem características
regionais. Mas o que mais preocupa, nesse caso, é que o problema tem surgido
antes do esperado. “No nordeste da
Europa, da Suécia, da Finlândia e dos países bálticos, as enchentes, agora,
tendem a acontecer um mês antes do que ocorriam nas décadas de 1960 e 1970.
Naquela época, era tipicamente em abril. Hoje, em março. Isso ocorre porque a
neve tem derretido antes, como resultado do aquecimento”, conta Günter Blöschl. “Em partes do norte da
Grã-Bretanha, da Irlanda Ocidental, da Escandinávia costeira e do norte da
Alemanha, as enchentes tendem a ocorrer cerca de duas semanas depois do que
aconteciam algumas décadas atrás, o que também reflete mudanças causadas pelas
alterações climáticas.”
Trabalho humano
A equipe ressalta que a ação do homem no solo também é um
fator determinante. Esse é, inclusive, um dos fatores a serem explorados na
próxima etapa da pesquisa. “Vamos aproveitar o conjunto de dados de inundações
únicos que compilamos e analisamos tendo em mente que não é apenas o clima que
afeta as inundações, mas também a mudança de uso da terra e dos rios em
atividades que envolvem o trabalho. A mudança do uso da terra pela urbanização,
a intensificação da agricultura e o desmatamento são outros fatores que afetam
os eventos de inundação”, ressalta Günter Blöschl.
Segundo os autores, a análise dos dados sinaliza claramente
a necessidade de adoção de políticas que impeçam o avanço do fenômeno. “Uma
evidente relação entre as alterações climáticas e as diferenças regionais foi
percebida na ocorrência de inundações nos últimos 50 anos. Se essas tendências
continuarem, consequências econômicas e ambientais significativas poderão
ocorrer e agravar esse cenário”, alerta o investigador. “As inundações têm um
grande impacto na agricultura, infraestrutura, economia, ecologia e vida
humana. Portanto, criar estratégias que possam evitar prejuízos, como o
monitoramento apurado do clima, é essencial”, sugere.
Também no Brasil
Paulo Cesar Rosman, professor do Departamento de Engenharia
Naval e Oceânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ressalta que
a pesquisa se destaca porque mostra detalhadamente os danos causados por um
fenômeno preocupante em uma região específica. “A análise na Europa mostra o
quanto esses riscos podem afetar essa área e alerta para os cuidados que devem
ser tomados. Sabemos dos prejuízos que atingem a sociedade por causa das
inundações, principalmente as pessoas com baixa renda, pois são elas que, na
maioria das vezes, estão ocupando locais inadequados, em áreas mais instáveis,
e são as primeiras a sofrer com os alagamentos. É preciso ter meios para
impedir isso”, defende.
O especialista chama a atenção para o fato que esse também é
um problema brasileiro. “Regiões costeiras são as mais prejudicadas. Aqui,
sabemos que a área com maior risco de inundação é a região metropolitana do Rio
de Janeiro. Quando temos a chuva vindo pela terra, gera o que chamamos de
empilhamento da água, devido também à ocorrência de ventos, e não temos locais
para escoá-la. Isso mostra o quanto o clima e a intensidade das mudanças
climáticas podem agravar uma situação que já é complicada”, ilustra.
2016 alarmante
Uma série de indicadores climáticos mostra que 2016 foi de
recordes negativos para a Terra. Registramos o ano mais quente dos tempos
modernos, o nível mais alto do mar e a maior quantidade de emissão de gases do
efeito estufa, segundo o Relatório Anual do Estado do Clima. Segundo os
autores, o calor histórico resultou da influência do aquecimento global de
longo prazo combinada com um forte El Niño. Eles também chamaram a atenção para
a adoção de medidas que estanquem o fenômeno. “As mudanças climáticas são uma
das questões mais urgentes que a humanidade e a vida enfrentam na Terra”,
escreveram. Feito por quase 500 cientistas, o relatório é divulgado anualmente pela
Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos e pela Sociedade
Meteorológica Americana.
Palavra de
especialista
Investigação sensível
"Em vez de aplicar uma análise convencional com apenas
o tamanho e a frequência de inundação, os autores utilizam dados mais
sensíveis. Obviamente, pesquisas adicionais são necessárias para desenvolver
dados ainda mais precisos, mas podemos destacar que, sem adaptações, tais
mudanças na sazonalidade das inundações podem afetar profundamente os
rendimentos agrícolas, a segurança e operações de infraestrutura: produção
hidrelétrica, abastecimento e gestão da água. O estudo levanta questões
importantes sobre a previsibilidade das inundações. Esse trabalho é um passo na
direção certa" Louise J. Slater, especialista em clima e professora da
Universidade de Loughborough, no Reino Unido – tomado de correio brasiliense
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