Falta saúde, sobra
morte POR Hellen Leite
Mais de 40% de todas as mortes registradas entre índios
brasileiros, desde 2007, foram de crianças de até 4 anos. Os motivos são variados,
entre eles, a falta de acesso à saúde. O índice é nove vezes maior que o
percentual de mortes de crianças não-indígenas da mesma idade (4,5%) no mesmo
período. Um levantamento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai),
sobre as condições de vida desses povos, revela, ainda, outras grandes
discrepâncias entre índios e não-índios no Brasil.
FOTO Menino Guarani-Kaiowá em um dos acampamentos Guaranis
no MS
Enquanto entre os índios as mortes se concentram na
infância, e só 27,4% dos óbitos são de pessoas acima de 60 anos de idade, na
população geral os idosos respondem por 62,8% dos óbitos. No ano passado, o
relatório ‘O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani
e Kaiowá — um enfoque holístico’, produzido pela Rede de Informação e Ação pelo
direito de se Alimentar (Fian — sigla em inglês), em parceria com o Conselho
Indigenista Missionário (Cimi), analisou
as violações de direitos e as causas da extrema situação de insegurança
alimentar e nutricional entre os Guarani-Kaiowás no Mato Grosso do Sul.
O relatório apresenta dados avassaladores: entre as três
comunidades indígenas pesquisadas — os Tekoha Ypo’i, Kurusu Amba e Guaiviry — a
situação de insegurança alimentar é de 100%. Ou seja, todas as famílias
Guarani-Kaiowá das três comunidades indígenas pesquisadas sofrem com algum grau
de insegurança alimentar, índice que analisa o acesso a alimentos em quantidade
e qualidade adequadas por comunidades e grupos sociais. Para se entender melhor
a particularidade e a gravidade da situação, cabe a comparação com o mesmo
índice no Brasil: na totalidade do território brasileiro, a insegurança
alimentar é de 22,6%.
O estudo verificou que 42% das crianças guaranis menores de
5 anos sofriam de desnutrição crônica, apresentando baixa estatura para a
idade. O mesmo índice, se consideradas as crianças indígenas de todo o Brasil,
é de 26%; e, se consideradas as crianças não-indígenas, o índice cai para 6,8%
— um número seis vezes menor do que entre as comunidades Guarani e Kaiowá
pesquisadas.
A desnutrição aguda em crianças menores de 5 anos, que
apresentam baixo peso para sua idade, é também alarmante entre os
Guarani-Kaiowá. Ela atinge 9,1% das crianças pesquisadas e chega a ser cinco
vezes maior do que entre as crianças não-indígenas, entre as quais este índice
é de 1,8%.
Nas comunidades Guarani Kaiowá no MS o índice de insegurança alimentar chega a
100%
“O direito humano à alimentação e à nutrição adequadas se
realiza quando se consegue superar todos os obstáculos que existem para você
conseguir o alimento, e isso é um processo bem longo. Identificamos duas causas
estruturantes que acabam impactando no direito humano à alimentação adequada.
Uma é o direito ao território e tudo que decorre da falta de acesso a ele, e
uma outra é a questão da identidade cultural dos povos indígenas. Se estes
povos estivessem em seus territórios plantando soja, eles não sofreriam as
violações que sofrem, porque eles querem o seu território para utilizar de
acordo com sua identidade. Ser índio hoje, e ser índio no Mato Grosso do Sul, é
um fator determinante para as violações de direitos”, afirma a secretária geral
da Fian Brasil, Valéria Burity.
Acesso à saúde Nas últimas décadas, avanços no sistema
de saúde reduziram as mortes por doenças infecciosas e parasitárias entre os
brasileiros para 4,5% do total. Esse saldo positivo, no entanto, ainda não
conseguiu chegar aos índios, que somam um índice de 8,2%.
Atualmente, quase a metade das mortes de não-índios se deve
a doenças mais complexas e difíceis de tratar: problemas no aparelho
circulatório (30,7%) e câncer (16,9%). Já entre os índios, doenças
respiratórias, como gripes que evoluem para pneumonia, ainda são a principal
causa de óbito (15,3%). Cânceres respondem a apenas 2,9% dos óbitos nas
aldeias.
Dr. Danilo Rodrigues, médico especialista em saúde indígena,
diz que a alta mortalidade entre crianças mostra que o atendimento a índias
gestantes e recém-nascidos ainda deixa muito a desejar. Rodrigues explica que
as mortes de índios por doenças infecciosas têm duas razões principais: a maior
vulnerabilidade de alguns grupos mais isolados a essas doenças e falhas na
assistência médica. “O mais grave é que essas doenças são evitáveis”, lamenta.
“Não dá para aceitar que, em pleno século 21, tantos índios
morram por doenças infecciosas”
O especialista diz que, nas últimas décadas, houve grandes
avanços nos serviços de saúde para os índios. Em 1999, a União assumiu a
responsabilidade pela saúde indígena, que passou a ser gerenciada pela Fundação
Nacional de Saúde (Funasa). Em 2010, com a criação da Secretaria Especial da
Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde, as ações passaram a
ser geridas por um órgão exclusivamente voltado aos índios. TOMADO DE CORREIO
BRAZILIENSE
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