POR QUE AS PRISÕES
SÃO RECRUTADORAS DE SOLDADOS DO CRIME
População carcerária não para de crescer no país e, mesmo
assim, aumenta a criminalidade Por: Schirlei Alves
Valas para mortos em ManausFoto: EDMAR BARROS / FUTURA
PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Nos últimos 16 anos, a população carcerária no Brasil quase
triplicou, mas a violência não diminuiu. Pelo contrário. Aumentou dentro e fora
dos presídios com o crescimento de homicídios nas ruas, massacres em prisões e
fortalecimento de facções cada vez mais brutais em suas ações.
Ao mesmo tempo em que empilhou presos na última década, o
Brasil importou o padrão mexicano de violência no qual matar para demonstrar
poder e expor sua brutalidade diante de autoridades não tem limites.
O número de detentos no país saltou de 232,3 mil, em 2000,
para 647 mil detentos, em 2016. Destes, 37,7% (244,3 mil) correspondem a
provisórios, que ainda aguardam julgamento.
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Embora o número de vagas tenha crescido na mesma proporção
até 2014 (de 135,7 mil para 371,8 mil), a capacidade sempre foi inferior.
E o pior é que o Estado sequer controla a massa carcéria. Os
números colocam o Brasil no topo da lista de países encarceradores (na quarta
posição).
Na última década, o país também se destacou pela violência.
De acordo com o Atlas da Violência divulgado no ano passado, estudo
desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil liderou o ranking de mortes em
números absolutos ao registrar quase 60 mil homicídios em 2014.
— A estratégia de aprisionamento desenfreado, que fez
duplicar o número de presos em uma década, não reduziu os índices de violência,
principalmente de homicídios. Significa que algo está errado, estamos
aprisionando muito e mal. Estamos criando o próprio inferno — avalia o autor do
Mapa da Violência, Julio Jacobo Waiselfiz.
Guerra se dá pelo domínio do tráfico
Os massacres desencadeados em unidades prisionais a partir
do primeiro dia do ano, e que acumularam quase uma centena e meia de mortes até
sexta-feira, expõem a crise no sistema carcerário já alertada pela ONU no ano
passado, pela Anistia Internacional no Brasil em campanhas de Direitos Humanos
em anos anteriores e por especialistas que atuam na linha de frente da
Segurança Pública.
— A situação dos presídios brasileiros não chegou onde está
da noite para o dia. Houve negligência e inércia das autoridades em abordar os
problemas que já vinham sendo anunciados não só por organizações de Direitos
Humanos, mas por órgãos estatais como o Conselho Nacional de Justiça — advertiu
Renata Neder, assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional no Brasil.
A tragédia anunciada dos presídios é fomentada por um único
interesse: o dinheiro. As duas principais facções do país, o Primeiro Comando
da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio, que costumam
se aliar a organizações menores em alguns Estados, se digladiam pelo monopólio
do tráfico de drogas.
A diferença em relação ao México não é a violência, mas a
quantidade de cartéis em disputa.
Para Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, o Estado não cuidou das cadeias, o que
permitiu que as facções assumissem o comando e passassem a dar as ordens lá
dentro.
— As grandes organizações (criminosas) querem os presídios
porque, se mandam dentro, mandam fora também. É importante o controle para
ganhar adeptos. O dinheiro está fora da cadeia. Essa guerra começou em parte
por isso. Muitos locais tiveram resistência à chegada do PCC — explica.
O espaço prisional se tornou a armadilha perfeita para
recrutar soldados do crime. Segundo o presidente do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, o preso primário que
não tem envolvimento com as organizações se vê obrigado a aderir a um dos lados
dentro da cadeia.
Não se trata de uma escolha, mas de uma questão de
sobrevivência. Ao sair do cárcere, esse preso está condenado a mais uma pena: a
de retribuir os favores da prisão.
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O que está por trás da guerra de facções que provocou a matança no Amazonas
"São os presos que mandam no presídio. E a sociedade paga caro por isso".
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Filiação a facções em busca de dinheiro
Para o autor do Mapa da Violência, Julio Jacobo Waiselfiz, a
superlotação dos presídios é resultado de prisões mal feitas, com pouca investigação.
A maior parte dos presos por tráfico de drogas pertence a hierarquias muito
baixas no mundo crime.
As prisões por tráfico correspondem a 28%, segundo dados do
Infopen. Se somados os crimes contra o patrimônio, contra a pessoa e
relacionados às drogas, juntos correspondem a 87% do total.
— Todo mundo sabe que esse contraventor vai sair criminoso
de primeira geração da cadeia, porque ele entra na universidade do crime —
avalia Waiselfiz.
Segundo o Infopen, 55% dos presos têm entre 18 e 29 anos,
61,6% são negros e 75% têm até, no máximo, o Ensino Fundamental
incompleto.
Para o pesquisador da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná Pery Francisco Assis Shikida, que estuda a economia do crime nas cadeias
do país, as pessoas que estão presas não têm estrutura familiar, base religiosa
ou formação educacional, o que as deixa mais vulneráveis a se associarem às
organizações.
Entre os motivos que levam o preso a se filiar a uma facção,
está a ideia de poder, dinheiro, proteção física, falta de oportunidade e
influência de outros presos. TOMADO DE ZERO HORA DE RGS BR
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