Segundo cientistas americanos, o fenômeno ocorre porque,
nesses indivíduos, as canções ativam áreas do cérebro ligadas à interação
social
VS Vilhena Soares
(foto: CB/D.A PRESS)
Quantas vezes você escuta música durante o dia? E quantas
vezes ela te emociona? Caso seja uma pessoa altamente empática, possivelmente a
segunda resposta será maior do que a média, segundo pesquisadores americanos.
Ao analisar a atividade neural de voluntários, eles descobriram que aqueles com
maior capacidade de entender profundamente a dor e a felicidade alheia têm os
circuitos cognitivos relacionados à sociabilidade e ao prazer mais ativados
quando escutam música. Para a esquipe, a descoberta também reforça como uma das
mais famosas manifestações culturais não é apenas uma forma de expressão
artística, mas um instrumento antigo de socialização humana.
O estudo, publicado recentemente na revista Frontiers in
Behavioral Neuroscience, é o primeiro a trazer evidências de uma conexão neural
entre música e empatia, uma conquista alcançada graças à ajuda de aparelhos de
ressonância magnética funcional. No experimento, os pesquisadores recrutaram 20
estudantes de graduação da Universidade da Califórnia (UCLA), que tiveram o
cérebro escaneado enquanto ouviam trechos de músicas familiares, desconhecidas,
canções de que gostavam e de que não gostavam. Todas as composições foram
selecionadas pelos participantes antes da varredura cerebral. Depois do exame,
cada voluntário completou um questionário para avaliar o grau de empatia.
Responderam, por exemplo, se se imaginavam no lugar de outra pessoa ou se
sentiam simpatia por indivíduos aflitos. Os pesquisadores compararam as
respostas com as imagens cerebrais da primeira parte do experimento. Pelas
análises, concluíram que as pessoas de maior empatia apresentaram mais ativação
nas áreas mediais e laterais do córtex pré-frontal — responsáveis pelo
processamento do mundo social — e na junção temporoparietal, que é fundamental
para analisar e compreender os comportamentos e intenções dos outros. Segundo
Zachary Wallmark, professor assistente na Escola de Artes SMU Meadows, nos
Estados Unidos, e um dos autores da pesquisa, essas áreas do cérebro são
ativadas quando indivíduos estão interagindo ou pensando em outras pessoas.
“Vimos que os participantes de alta e baixa empatia reagem de forma semelhante
quando escutam música, com atividade nas regiões do cérebro relacionadas a
processamento auditivo, emocional e sensório-motor, mas o aumento de atividade
em áreas relacionadas à interação social nos mais empáticos foi uma diferença
considerável”, diz. Os empáticos também apresentaram maior grau de satisfação
em ouvir as músicas do experimento. As varreduras cerebrais mostraram que esses
indivíduos tiveram atividade acentuada no estriado dorsal — parte do sistema de
recompensa do cérebro relacionada à
sensação de prazer — ao ouvir canções familiares, gostando ou não delas. “Isso
pode indicar que a música está sendo percebida como um tipo de entidade social,
como uma presença humana imaginada”, diz Zachary Wallmark. “A pesquisa mostra o
poder da música em desencadear os mesmos processos sociais que ocorrem no
cérebro durante as interações sociais humanas mais complexas”, complementa
Marco Iacoboni, neurocientista e pesquisador da UCLA e também autor do estudo.
Além da arte
Para a equipe, pelos resultados, é possível afirmar que,
pelo menos entre pessoas com alto grau de empatia, a música não é apenas uma
forma de expressão artística. “Se a música não estivesse relacionada à forma
como processamos o mundo social, provavelmente não veríamos diferença
significativa na ativação cerebral entre pessoas de alta e baixa empatia”,
explica Wallmark. “Isso nos diz que, além de apreciar a música como arte
superior, a música é sobre humanos interagindo com outros humanos e tentando
entender e se comunicar uns com os outros”, complementa.
Segundo Wallmark, culturalmente, a sociedade construiu um
elaborado sistema de educação e pensamento musical, que trata esse tipo de
expressão como uma espécie de “objeto de contemplação estética”. A pesquisa
conduzida por eles e os colegas, porém,
mostra que a harmonia dos sons tem um poder ainda maior. “Os resultados do
nosso estudo ajudam a explicar como a música nos conecta. Isso pode ter
implicações sobre como entendemos a função dela em nosso mundo e,
possivelmente, em nosso passado evolucionário.”
O psicólogo Vladimir Melo destaca que a pesquisa explica um
fenômeno conhecido empiricamente e explorado, inclusive, de forma clínica, na
musicoterapia. “Ela reúne técnicas que mostram como o psiquismo se beneficia
com a música e como ela pode interferir de maneira positiva nas relações
interpessoais. O interessante do estudo é entender melhor, do ponto de vista
neurológico, como a arte é produto e também linguagem do psiquismo”, explica.
Segundo Melo, o interesse de cientistas pela empatia tem
aumentado porque, assim como a música, ela ajuda a entender melhor o
comportamento humano. “A ligação entre o psiquismo e a arte pode ser explicada
de várias maneiras, e essa pesquisa contribui para uma compreensão maior no
campo das neurociências.”
"Os resultados do nosso estudo ajudam a explicar como a
música nos conecta. Isso pode ter implicações sobre como entendemos a função
dela em nosso mundo e, possivelmente, em nosso passado evolucionário”
Zachary Wallmark, professor assistente na Escola de Artes
SMU Meadows (EUA)
A força dos solos
A música tem o poder de mudar o estado de espírito — da
tristeza para a alegria, ou vice-versa, por exemplo. Mas os mecanismos que
explicam como as composições podem mexer com a emoção ainda são um mistério. Na
tentativa de desvendá-los, Niels Hansen, pesquisador do Laboratório de
Musicologia da Universidade de Ohio, e colegas decidiram estudar os solos de
canções. A hipótese era de que esses trechos funcionavam como arma poderosa
para comover os ouvintes.
Para comprovar a suspeita, escolheram 330 trechos de músicas
orquestrais presentes no site Orchestra excerpts. Todo o material foi
selecionado aleatoriamente e, em seguida, analisado por tempo, dinâmica,
articulação, suavidade rítmica, altura e alcance do tom. Os pesquisadores
observaram que as composições caracterizadas como tristes ou relaxadas tinham
duas vezes mais solos do que as menos melancólicas.
“Um único instrumento exige menos energia em geral e produz
sons mais silenciosos, mais semelhantes às características da fala triste. O
som de um único instrumento pode nos lembrar de situações em nossas vidas em
que estivemos sozinhos ou tristes — e, portanto, podemos ter nos isolado”,
detalha Niels Hansen, autor principal do estudo, divulgado recentemente na revista
Music Perception.
Em pesquisas anteriores, o grupo de Hansen mostrou quais
instrumentos são mais usados para expressar tristeza. No topo da lista estão
violoncelo, voz humana, violino, viola e piano. Os de percussão, incluindo o
pandeiro, são menos adequados para essa finalidade. “Eu diria que esses estudos
podem nos convencer de que a música, às vezes, serve ao propósito de nos ajudar
a expressar e a lidar com as emoções que sofremos. Os compositores capitalizam
claramente o potencial emocional da música”, frisa.
São justamente as escolhas feitas por esses profissionais da
música o alvo dos estudos de Hansen. “Compositores têm todas as cores do
arco-íris musical disponíveis e é interessante estudar como e por que eles
escolhem quais usar”, diz o cientista. Ele e a equipe pretendem estudar ainda
mais a fundo o tema e acreditam que as investigações podem ajudar a compreender
melhor o papel da música para a humanidade. “O porquê temos música ainda é um
mistério. Parece contraintuitivo que as pessoas, ao longo da evolução,
aparentemente tenham desperdiçado seu precioso tempo construindo e aprendendo a
tocar instrumentos musicais se elas não tivessem um papel importante na
condição humana”, ressalta.
Reações distintas
Doutoranda em neurociências pelo Instituto D’Or de Pesquisa
e Ensino, no Rio de Janeiro, Julie Wein ressalta que as emoções provocadas pela
música são diferentes das originadas de outras experiências cotidianas. “A
tristeza, por exemplo, está muito ligada à nostalgia. É outro tipo de emoção,
mais complexa, o que a torna extremamente interessante e rica para a pesquisa
cognitiva”, diz.
Wein também acredita que o estudo das canções e de sua
relação com o cérebro humano ajuda a entender melhor o comportamento social
humano. “Por meio da música, podemos entender a relação dos indivíduos com a
sociabilidade, algo extremamente importante, já que somos uma espécie que
precisa estabelecer laços.” Tomado de correio brasiliense
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