A presença de moradores de rua faz parte do cenário da
Rodoviária do Plano Piloto, terminal que atrai entre 650 mil e 700 mil
passageiros todos os dias
LN Luís Nova - Especial para o Correio LC Luiz Calcagno
Dados mais recentes mostram que a população de rua em
Brasília fica entre 2,5 mil e 3 mil pessoas. Políticas públicas esbarram na
diversidade dos grupos a serem atendidos(foto: Luís Nova/Esp. CB/D.A Press)
Dados mais recentes mostram que a população de rua em
Brasília fica entre 2,5 mil e 3 mil pessoas. Políticas públicas esbarram na
diversidade dos grupos a serem atendidos
(foto: Luís Nova/Esp. CB/D.A Press)
As baixas temperaturas dos primeiros dias de julho
escancaram ainda mais a situação de vulnerabilidade de quem dorme na Rodoviária
do Plano Piloto. Na plataforma inferior, do outro lado do Eixo Monumental, via
N1, ao menos sete ficam embrulhados em cobertores, deitados em pedaços de
papelão, cercados de caixas. O vento corta frio no horário em que a temperatura
geralmente atinge a mínima. Os que já acordaram, transitam perdidos pelo
monumento, procurando uma bebida quente para se aquecerem.
A presença de moradores de rua como Sebastião, 76 anos, faz
parte do cenário do terminal que atrai entre 650 mil e 700 mil passageiros
todos os dias. Deitado, encolhido, com os pés sujos, apoia a cabeça sobre a
mochila, que vira travesseiro, e cobre o rosto com as mãos. Ele divide o banco
com duas usuárias do sistema de transporte público. Um motorista de ônibus
comenta a situação. “Trabalho em uma linha da rodoviária há dois meses. Todos
os dias ele está aqui.”
Sebastião, 76, é cearense e mora no DF desde 1965. Tem dois
irmãos na capital, mas diz preferir viver nas ruas(foto: Luís Nova/Esp. CB/D.A
Press)
Sebastião, 76, é cearense e mora no DF desde 1965. Tem dois
irmãos na capital, mas diz preferir viver nas ruas
(foto: Luís Nova/Esp. CB/D.A Press)
Natural de Mombaça (CE) e morador do Distrito Federal desde
1965, Sebastião tem irmãos na capital, mas não quer deixar a rua. “Gosto de
passar a noite ao relento. Tenho coberta”, justifica. “Carrego o que posso na
minha mochila, mas não gosto de levar muitas coisas. Quando ganho um cobertor
extra, uso à noite e depois deixo para outro pegar”, conta. Ele se queixa da
violência entre usuários de crack. “É só entre eles. Os outros se afastam, a
polícia chega, e a confusão acaba.”
Davi Pereira dos Santos tem 38 anos, a metade
da idade de Sebastião, e vive também nas ruas. Há noites em que, por conta do
frio, é impossível dormir. Ele explica que cada morador tem o seu lugar sob a
plataforma da rodoviária. O dele é mais perto da via S1. Portador do vírus HIV,
ele foi criado na rua. “Bebo minha cachaça, peço dinheiro e comida e é assim.
Minha mãe mora em Buritis (MG), mas às vezes vem pra cá e passa a semana
comigo.”
Ele empurra um carrinho de supermercado com pertences, um
casaco e um pedaço de pau. Não tem cobertor. Conta que foi roubado e que, às
vezes, o frio não o deixa fechar os olhos. “Às vezes gela, mas não gosto de
passar em albergue. Só tem ladrão”, reclama. A maioria dos moradores ouvidos
pela reportagem fez reclamações parecidas sobre as casas de acolhimento.
Davi, 38 anos, conta que, em alguns dias, é impossível
dormir
(foto: Luís Nova/Esp. CB/D.A Press)
Doações
A aproximadamente 20 minutos de caminhada da Rodoviária, no
Setor Comercial Sul, outros grupos de moradores de rua dormem. Eles estão
enfileirados, também sobre papelões, cobertos até a cabeça, sob o letreiro
vermelho gigante de uma loja de departamento na Quadra 7. Uma moradora de rua
com o cobertor enrolado nas mãos diz não ter interesse em conversar. Uma idosa
que está acordando pede que os repórteres se afastem. Trabalhadores passam
apressados.
Em uma das garagens subterrâneas da região, em um canto, há
um amontoado grande de papelões e cobertores. O material está misturado com
lixo e restos de revista. Nas proximidades, três homens, na mesma situação de
vulnerabilidade que os outros entrevistados, conversam. Estão alcoolizados e
desconfiam, mas aceitam falar com a reportagem. O primeiro se identifica como
Vieira Xavier, 42, e o outro é Cícero Moreira de Mesquita, 51. Eles contam que
perderam os laços familiares.
Vieira veio a pé de Santa Catarina. Diz ter mãe, duas filhas
e quatro netos. “É uma noite de cada vez”, afirma quando questionado sobre o
frio nesta época do ano. Ele diz que é comum que religiosos e voluntários façam
doações de roupas, bonés ou toucas, cobertores e calçados. “Estou esperando pra
ver se eu consigo um”, fala, apontando para os pés. “Julho, agosto, esfria
bastante, mas as doações ajudam muito”, garante.
Cícero diz ter perdido o emprego por conta do vício em
álcool e não recebeu os direitos trabalhistas. “Sentimos frio à noite,
principalmente agora. Mas muita gente trás sopa, um leite com chocolate, e até
cachorro quente”, elenca. Ele tem consciência da situação em que se encontra.
“Eu tinha de parar. Bebida é uma das piores drogas. Sem ela, a pessoa tem
futuro. Com ela, o destino é a calçada, e a calçada é um lugar triste”,
lamenta.
Cícero, 51 anos, é alcoolista e perdeu os laços familiares:
"A bebida é uma das piores drogas"
Direitos básicos
O Distrito Federal tem entre 2,5 mil e 3 mil pessoas em
situação de rua. Os dados fazem parte da projeção de um censo com essa parcela
da população da capital, feito ainda em 2011. São os dados mais atuais. Segundo
a professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília
(UnB) Camila Potyara Pereira, a maior dificuldade de lidar com esse grupo é que
ele é extremamente heterogêneo. “É composto por pessoas diferentes, com
realidades diferentes e é impossível dar uma resposta única para a situação que
vivem”, explica.
Outro problema das políticas públicas para essa parcela da
população, segundo a pesquisadora, é apostar em situações paliativas como se
fossem definitivas. “Um albergue, por exemplo, não resolve a situação. É
necessário um conjunto de políticas públicas articuladas, universal, que
atendesse os indivíduos sem preconceito. Políticas habitacionais com bairros
estruturados e educação inclusiva. Muitas crianças nessa situação não conseguem
ir para a escola, porque não têm uniforme ou um local para tomar banho”,
exemplifica Camila. Em casos emergenciais, por outro lado, ela destaca a
necessidade de políticas paliativas. “Em um período frio, é preciso ações
emergenciais. Abrigos de qualidade, por exemplo. As casas de acolhimento podem
trazer algum alívio”, avalia.
Alison Oliveira, diretor do Serviço de Acolhimento da
Subsecretaria de Assistência Social da Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento
Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do GDF, explica que
existem casas de acolhimento para adultos e famílias; para crianças e
adolescentes; para idosos; e outras exclusivas para mulheres. São 1.654 vagas,
e o governo trabalha para criar outras 100. Segundo ele, como se trata de uma
população flutuante, em que nem todos precisam ou querem utilizar o serviço,
não é necessário um número de vagas igual ao setor da população.
“Além dos centros de acolhimento, temos vários serviços. Um
deles é o de abordagem social. São 33 equipes especializadas para acompanhar
essas pessoas.Vão atrás do público-alvo em todo o DF ofertar o serviço especializado
da assistência. Mas essa abordagem não tem nada a ver com remoção dessa parcela
da população. É um trabalho para levar a eles as garantias previstas pela
política de assistência social. Identificamos as necessidades de cada um e
oferecemos serviços e alertamos sobre direitos”, detalha.
O GDF também recebe esses moradores nos centros de
referência especializados em assistência social e nos especializados para
população em situação de rua, onde o visitante pode emitir documentos, tomar
banho e consegue itens de higiene pessoal, agasalho e cobertor. “Somos
responsáveis por uma política de Estado. As campanhas sociais e comunitárias,
nós não fazemos. A ida a um centro não é um serviço de hospedagem. Ajudamos a
buscar famílias, refazer laços, quebrar a lógica que colocou a pessoa naquela
situação. Não podemos deixar que isso se transforme em uma política
assistencialista”, ressalta.
Para saber mais
Temperaturas baixas
na seca
A ausência de nebulosidade no período da seca é o que
provoca as noites mais frias no Distrito Federal. O fenômeno é chamado de perda
radiativa. De acordo com a meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia
(Inmert) Naiane Araújo, em outras épocas do ano, as nuvens formam um cobertor
sobre a cidade, impedindo que o calor do sol, acumulado durante o dia, se perca
à noite. Mas, no inverno, o céu fica limpo. “Eventualmente, teremos uma frente
fria vindo do Sul. Quando isso acontece, na retaguarda, vem sempre um ar mais
frio que também ajuda a declinar a temperatura. Quem mora na rua, sente mais”,
explica. Em 30 de junho, o Inmet registrou mínima de 10°C na estação do
Sudoeste e de 6,8°C em Águas Emendadas; em 1º de julho, de 10°C e 7,9°C,
respectivamente; e na última quarta, 12°C e 7°C. A sensação térmica pode ser
igual ou mais baixa que a temperatura registrada. “A temperatura cai para o
menor grau, normalmente, entre 6h e 7h. Com vento, a percepção pode ser de um
frio ainda maior”, detalha Naiane.
Como ajudar
Confira aqui algumas
instituições que doam agasalhos e cobertores a moradores de rua do DF:
Igreja Batista
Central de Brasília
Reúne donativos que são repassados
para igrejas evangélicas. Cada núcleo atua na sua região
administrativa.
Endereço: SGAS, Quadra 603, Conjunto 19, L2 Sul, próximo à
Casa do Candango
Telefone: 3038-4000
Comunidade Mariana Vinha do Senhor
Trabalha com sopão e doação de agasalho para moradores de
rua, geralmente no Setor Comercial Sul. Recebe e também busca donativos para
dar continuidade aos trabalhos.
Endereço: Quadra 8, Conjunto I,
Casa 7, Setor Sul do Gama.
Telefones: 98118-0624 e 99303-3233
Central de Vagas da Sedestmidh
Serviço da secretaria que regula, acompanha e informa sobre
a disponibilidade das vagas de acolhimento institucional do governo e de
parceiros.
Endereço: L2 Sul 614/615,
Lote 104, Asa Sul
Telefone: 3223-2656
// tomado de correio brasiliense
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