Física quântica quase
a olho nu: estudo descreve fenômeno pela primeira vez
Pela primeira vez, estudo descreve um emaranhamento estável
entre dois objetos massivos, fenômeno
que, até o momento, era constatado apenas
entre partículas microscópicas.
A mecânica quântica é uma área da física que desafia o senso
comum sobre como o Universo funciona e também contraria grandes teorias, como a
relatividade geral de Albert Einstein. Ela descreve muito bem os fenômenos
observados abaixo da escala atômica — o mundo dos prótons, elétrons e outras
partículas —, mas nem sempre pode ser aplicada para objetos maiores do que
isso. Porém, pesquisadores da Universidade Aalto, na Finlândia, demonstraram,
pela primeira vez, um emaranhamento quântico estável entre dois objetos
massivos, quase grandes o suficiente para se ver a olho nu. Os resultados foram
publicados na revista Nature.
Nesse estudo, o entrelaçamento, fenômeno considerado central
para a teoria quântica, foi criado entre dois pequenos alto-falantes com o diâmetro
aproximado de um fio de cabelo. O efeito permaneceu por até 30 minutos. Para se
ter uma ideia do avanço dessa experiência, um estudo anterior, publicado em
2011 na revista Science, ligou dois diamantes por apenas sete
trilionésimos de um segundo.
A descoberta poderá ter desdobramentos importantes para a
física, pois abre o caminho para o entrelaçamento entre objetos ainda maiores e
para experimentos que podem desvendar mistérios fundamentais da área, como as
ondas gravitacionais. Além disso, o efeito pode ser usado, no futuro, para
conectar computadores quânticos, mais rápidos e poderosos do que os usuais.
“Um estado quântico emaranhado de duas partículas exibe
algumas das características mais peculiares da mecânica quântica”, afirma Mika
Sillanpää, que liderou o estudo. “E o entrelaçamento de objetos macroscópicos
parece estar em forte contradição com a forma como entendemos o mundo ao nosso
redor”, acrescentou
De forma bastante simplificada, quando dois objetos estão
emaranhados, eles não podem ser descritos de forma individual, mas apenas como
um conjunto. Imagine um par de dados. Na física clássica, se você jogá-los,
anotar o valor de um deles e, depois, o valor de outro, poderá somá-los e obter
um resultado. Na teoria quântica, isso não acontece: as partes não são
suficientes para descrever o todo.
Esse fenômeno é comum em átomos e partículas subatômicas, e
engenheiros conseguem manipulá-lo de forma relativamente fácil para criar
computadores quânticos, por exemplo. Porém, ele é muito frágil e pode ser
destruído por perturbações no ambiente.
Por causa disso, os pesquisadores da Universidade Aalto
realizaram o experimento em temperaturas próximas ao zero absoluto — a -273° C
— e usaram campos elétricos para bloquear possíveis perturbações. Os dois
alto-falantes foram instalados em um chip de silício, e o emaranhamento foi
criado por um laser de micro-ondas. Assim, as vibrações mecânicas das duas
membranas se tornaram parte de um único sistema quântico.
Ligação inédita permite enxergar fenômeno quase a olho
nu(foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)
Ajuste
“Esse experimento foi a continuação de investigações
anteriores que prepararam a construção do dispositivo e do equipamento delicado
de medição”, disse Sillanpää. Isso
levou anos de trabalho em laboratório para a equipe. Nós tivemos que ajustar o
sistema para obter uma configuração exata”, acrescentou.
“Essa é uma coisa sobre a qual existe mais de uma década de
discussão. Todo mundo queria fazer o que foi feito agora, mas ninguém
conseguia”, afirmou Gabriel Landi, professor do Instituto de Física da
Universidade de São Paulo. “Foi uma mistura de diferentes técnicas, de
optomecânica a circuitos supercondutores. Nessa área, cada grupo tem o seu
conjunto de segredos e truques para tornar o experimento possível.”
Para Landi, o que mais chamou a atenção no estudo foi o
avanço no controle do experimento. Quanto mais complexo o sistema, mais
complicado é manter o emaranhamento por longos períodos de tempo. Enquanto
muitas tecnologias quânticas entrelaçam algumas dezenas de átomos, cada
alto-falante do estudo é composto por aproximadamente um trilhão deles. “É
assim que a ciência anda, aumentando o nosso controle da natureza. O estudo é
um passo importante para o controle de uma propriedade exótica. Blindar um
átomo é muito mais fácil do que blindar uma bola de pingue-pongue”, afirma o
professor.
As descobertas da equipe podem ajudar em futuros
experimentos, como a aumentar a precisão dos sistemas atuais que detectam ondas
gravitacionais. De acordo com Fernando Parísio, professor do Departamento de
Física da Universidade Federal de Pernambuco, as conclusões podem ajudar também
a desvendar um dos grandes mistérios da física. “Uma coisa promissora é
utilizar isso para tentar juntar duas teorias bem-sucedidas que nós temos: a
relatividade geral e a mecânica quântica”, conta o professor. “Quando você tem
um emaranhamento entre objetos massivos, que têm um pouco mais de gravidade,
você começa a ter acesso à relação entre a quântica e a gravitação.” Ainda
segundo Parísio, o tempo de estabilidade conseguido pelos pesquisadores é “uma
eternidade” para esse fenômeno. “É merecido o artigo ser publicado na Nature”,
opinou.
Aplicações tecnológicas mais cotidianas também são
possíveis. Para Sillanpää, o estudo será muito útil em uma futura revolução da
tecnologia. Para criar uma internet entre computadores quânticos, por exemplo,
serão necessários objetos emaranhados. “Os alto-falantes podem servir como
esses componentes, convertendo bits quânticos em um processador em informação quântica
a ser transmitida.”
No futuro, os pesquisadores pretendem tentar emaranhar
objetos cada vez maiores para descobrir se isso é possível ou não. “Atualmente,
estamos testando alto-falantes com meio milímetro de diâmetro, que são milhares
de vezes mais pesados que os anteriores. Nós também tentaremos um experimento
em teleporte quântico, que pretende recriar a vibração de uma membrana em
outra.”
*Estagiário sob supervisão de Ana Paula Macedo // tomado de correio brasiliense
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