Amamentação e parto
influenciam na composição da microbiota intestinal
Cientistas americanos acompanham mudanças no intestino de
recém-nascidos ao longo de 46 meses e identificam como a amamentação e o parto
influenciam na composição desse microbioma. Descoberta poderá ajudar a entender
a causa do diabetes
VS Vilhena Soares
A formação da microbiota intestinal é um mistério para a
área médica. Ela tem sido alvo de diversas pesquisas devido à importância dos
micro-organismos que a compõem para a saúde humana. Em um estudo publicado
ontem na revista britânica Nature, um grupo de cientistas americanos traz os
resultados de uma análise que revelou detalhes da construção desse microbioma
até 46 meses de idade (3 anos e 10 meses). A pesquisa mostra, por exemplo, como
a amamentação e o tipo de parto podem influenciar a diversidade das bactérias
probióticas que compõem o organismo.
“Há mais de 12 anos que realizamos estudos sobre o
microbioma em mais de 300 projetos que examinam o seu impacto na saúde e em
muitas doenças”, conta ao Correio Joseph Petrosino, diretor de microbiologia e
professor na Universidade de Medicina de Baylor, nos Estados Unidos, e um dos
autores do estudo. O cientista explica que, além da predisposição genética, a
exposição ambiental — que influencia a construção da microbiota — pode fazer
com que um indivíduo tenha risco aumentado de desenvolver uma enfermidade.
“Muitos estudos têm procurado examinar as associações do microbioma com o
surgimento de problemas de saúde, principalmente o diabetes tipo 1. Mas poucos
desses estudos foram feitos em humanos, e nenhum deles com a amplitude e a
profundidade dos dados a que tivemos acesso”, compara.
Petrosino e sua equipe usaram o repositório de informações
médicas TEDDY, construído nos últimos 10 anos a partir de exames, coletas de
material e entrevistas feitos com mais de 8.600 crianças dos Estados Unidos e
da Europa Ocidental e seus pais. A equipe analisou 12.005 amostras de fezes
coletadas de 903 bebês entre o 3º e o 46º mês de idade e com predisposição ao
diabetes tipo 1. Usando sequenciamento de RNA e de DNA, eles descobriram que a
microbiota intestinal passa por três fases de progressão: desenvolvimento (3 a
14 meses de idade), transitória (15 a 30 meses de idade) e estável (31 a 46
meses de idade).
O estudo revelou também associação entre a amamentação e a
presença em abundância de duas espécies de bactérias com poderes probióticos:
Bifidobacterium breve e Bifidobacterium bifidum. Além disso, a cessação da
amamentação acelerou a maturação do microbioma de bebês, ou seja, eles passaram
rapidamente para o estágio da fase estável, marcada por quantidades maiores de
bactérias da espécie Firmicutes spp.
Nas crianças que tinham sido amamentadas, as cepas de
Bifidobacterium que têm capacidade de processar leite humano não foram mais
detectadas quando houve interrupção da alimentação de leite materno.
“Acreditamos que, dessa forma, estirpes desse tipo de bactéria com outras
funções podem crescer”, explica Petrosino. “Isso nos fornece uma visão de como
a dieta precoce afeta o desenvolvimento do microbioma.”
Os pesquisadores também detectaram associação entre o parto
vaginal e a maior abundância de bactérias pertencentes ao gênero Bacteroides. O
mesmo foi observado em crianças que nasceram por cesariana. “Isso nos mostra
que as implicações ainda não estão claras. Ter a diversidade microbiana é algo
considerado benéfico, mas ainda não entendemos completamente quais sinais
microbianos precoces são importantes para o desenvolvimento dela”, observa
Petrosino.
Intervenção
Para Hermes Aguiar Júnior, gastroenterologista do Hospital
Santa Lúcia Norte, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de
Gastroenterologia (SBG), a pesquisa traz dados importantes e cada vez mais
necessários à área médica. “Cada dia que passa, temos mais certeza do valor da
microbiota para a saúde humana. A ideia de associar o microbioma de crianças
com problemas de saúde como o diabetes pode ajudar a entender a causa dessa
doença. É possível que enfermidades recorrentes na infância, como a asma e a
bronquite, também possam ser mais bem compreendidas com esses dados”, frisa.
O médico ressalta que a pesquisa mostra como a alimentação é
um fator importante no desenvolvimento humano. “Vemos como os fatores ambientais
têm impacto. O que as crianças comem e onde vivem, também. São exemplos de
variáveis que podem fazer diferença lá na frente, na fase adulta”, completa.
Petrosino também chama a atenção para o uso a longo prazo dessas informações da
infância. “Compreendendo as relações entre o microbioma e o hospedeiro, podemos
identificar mais facilmente quando algo está errado e, dessa forma, talvez seja
possível intervir no momento apropriado para manter a saúde e prevenir
doenças”, justifica.
A equipe dará continuidade ao estudo focando justamente em
ações clínicas. Eles pretendem desvendar a relação do microbioma com o
desenvolvimento de um número diverso de doenças usando amostras do intestino,
da cavidade nasal e do sangue. “Espera-se que essas análises revelem alvos para
estudos futuros que tenham potencial para serem usados no desenvolvimento
terapêutico ou no diagnóstico”, aposta Petrosino.
Hermes Aguiar Júnior também acredita que novas pesquisas
poderão contribuir para o surgimento de terapias mais eficazes. “Acho que
acompanhar uma pessoa não só na infância, mas até a idade adulta, é necessário.
Dessa forma, podemos avaliar se o estímulo de determinada bactéria pode
disparar uma imunidade melhor, por exemplo. Outro ponto importante de análise
seria considerar diferentes dietas. Os asiáticos se alimentam de forma
completamente diferente. Essa seria outra forma de comparação interessante”,
opina o gastroenterologista.
É possível que enfermidades recorrentes na infância, como a
asma e a bronquite, também possam ser mais bem
compreendidas com esses dados”
Hermes Aguiar Júnior, gastroenterologista do Hospital Santa
Lúcia Norte, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de
Gastroenterologia // TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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